Marcelina (Maputo) Duas percepções populares acompanharam Marcelina Chissano ao longo dos seus últimos 22/23 anos. Nos primeiros anos da independência, era celebrada em certos círculos de Maputo como uma pessoa modesta, uma enfermeira trabalhadora e anónima, comprovação da austeridade manifestada pelo marido durante o período de transição em 1974/75. Com a subida de Chissano à presidência da República essa imagem de Marcelina começou a alterar-se radicalmente. Começaram a surgir rumores sobre expropriações de terras feitas por ela. A imagem popular que hoje a rodeia, a ela e ao marido, é a de que ambos estão a enriquecer rapidamente, muito à semelhança de tantas primeiras famílias do continente. A 24 de Setembro último veio a público a primeira comprovação de uma enorme extensão de terra concedida a Marcelina Chissano. O BR desse dia, III série, Nº 39, diz a dada altura: "Deferido o requerimento em que Marcelina Chissano pedia para ocupar uma parcela de terreno com a área de 4000 ha, situada no posto administrativo de Bilene, distrito de Bilene, província de Gaza, para fins pecuários, pagará a taxa anual de 9 874 496,76 MT (Processo Nº 1057/804). Este deferimento, feito pelo respectivo governador provincial, tem a data de "30 de Maio". Ontem, enviámos a Marcelina Chissano, via presidência, perguntas relacionadas com terras: É verdade que Vexa solicitou, e foram-lhe concedidas, terras entre Dobela e a Ponta do Ouro, ou seja, dentro do território incorporado no projecto turístico encabeçado pelo Sr. James Blanchard? É verdade que o complexo turístico de Zonguene, acabado de inaugurar pelo Presidente da República, foi erguido em terras que estão em seu nome ou em nome de familiares seus? Perguntávamos-lhe também qual a extensão total das terras passadas para seu nome. Segunda-feira fizemos várias tentativas de a contactar e, ontem à tarde finalmente disseram que ela estava fora do país. Apartamento Na semana passada foi-nos comunicado que a primeira dama estava pessoalmente envolvida num imbróglio em torno de um apartamento em Maputo. Eis o resultado das nossas investigações. Trata-se do apartamento localizado no 12º andar do prédio ao lado do consulado da embaixada de Portugal, na Av. Mao Tse Tung. Pessoas do edifício contaram-nos que na flat em causa vivia um funcionário da embaixada da Bulgária que voltou ao seu país há alguns meses, tendo deixado no interior a respectiva mobília, presumivelmente pertença da embaixada. Há cerca dum mês, recordou uma das fontes, Marcelina Chissano foi àquele apartamento acompanhada de "pessoas da Presidência". Quando ali chegou, prosseguiu a fonte, mudou as fechaduras da flat e foi-se embora. Dias depois, foi lá uma brigada do APIE que colocou novas fechaduras. Passados alguns dias, foi a vez de elementos da embaixada procederem do mesmo modo - puseram outras fechaduras. Há algumas semanas, prosseguem as nossas fontes, a Srª Marcelina regressou ao mesmo local, acompanhada de "pessoas da Presidência" que alegadamente arrombaram as portas, tendo, de imediato, começado um "despejo". As nossas fontes alegam que a mobília foi levada para a presidência da República. Aparentemente o despejo levou dois dias. Algumas fontes disseram-nos que Marcelina não acompanhou pessoalmente o despejo, mas instruiu que isso fosse feito. Na embaixada da Bulgária, uma fonte confirmou-nos que, de facto, algo do género tinha acontecido, acrescentando que o assunto já tinha sido encaminhado ao nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação para a embaixada "saber como reagir". Abordámos o embaixador da Bulgária mas ele escusou-se a comentar. Interrogada sobre se este caso poderia afectar as relações diplomáticas entre os dois países, a fonte respondeu: "É por isso que ninguém comenta". Colocámos já a questão à APIE, para estabelecermos quem é o arrendatário legal do apartamento. Nhimpine Os negócios reais e imaginados da família Chissano estão a atrair cada vez mais a curiosidade pública. Há pouco mais de um mês, o "mt", depois de muita insistência, consegui travar uma conversa telefónica com o filho do PR, Nhimpine Chissano. Era nossa intenção recebermos dele, um esclarecimento definitivo sobre se tinha , ou não, ligações com o conhecido empresário Momade Bachir Suleman, proprietário do Kayum Centre e figura de proa do Grupo MBS. Temos, de fonte impecável, que ele faz parte do Grupo MBS; não conseguimos confirmação absoluta de que a relação com Bachir é via Zeinab Texteis, no Alto Maé, que tem, provavelmente, as capulanas e tecidos mais baratos da capital. Nhimpine respondeu assim ao nosso repórter: "Não tenho nada haver com ele. Não brinque comigo, não sou nenhuma figura pública. Podem brincar é com os membros do Governo, com o Presidente da República. Eu sou Nhimpine..." Nós só queremos um esclarecimento sobre esse rumor... "Não quero falar convosco. Quem vos deu o meu número de telefone? Você pediu autorização para fazer-me perguntas? Não brinque comigo... não quero ver nada disto escrito nos jornais. Não tenho nada haver com eles. Se você escrever isto, vai ver." Isso é uma ameaça? "Não brinque comigo. Você não me pediu autorização para me fazer perguntas". E desligou. Renamo Fonte fidedigna do parlamento garantiu-nos que a Renamo, por duas vezes, meteu na gaveta informação embaraçosa para a bancada maioritária. No primeiro caso, tratava-se de uma lista de todas as empresas em que Armando Guebuza, chefe da bancada da Frelimo, tem acções; e no segundo caso, tratava-se de uma longa lista de pedidos de terra na Zambézia feitos por dirigentes do partido Frelimo. A nossa fonte diz que a bancada da Renamo recebeu instruções para não fazer barulho em torno dos dois casos. Raul Domingos, chefe da bancada da Renamo, nega tudo isto. A interpretação mais comum em círculos políticos, comunitários e académicos do país é esta: À semelhança de Marcelina Chissano, os principais dirigentes do partido Frelimo estão a apropriar-se de muitos milhares de hectares de terras férteis para depois as venderem a interesses estrangeiros logo que a terra for legalmente privatizada ou, antes da privatização, imporem-se como parceiros locais de investimentos estrangeiros na agricultura. A edição de ontem do mediaFAX, numa notícia sobre "investimento" nas regiões centro e norte do país, diz a dado passo que "no dizer de outras fontes" potenciais investidores estão a ser afugentados porque estão a ser-lhes praticamente impostos parceiros locais que eles não querem para sociedade, nomeadamente através de concessão de alvarás condicionados a uma aceitação de tais parceiros. No seminário desta semana sobre reforço da sociedade civil moçambicana, um dos principais dirigentes da Frelimo, Mariano Matsinhe, argumentou que Moçambique, e até mesmo países como a Nigéria, "não têm burguesias" mas apenas "empresariados incipientes" que funcionam como "apêndices da burguesia estrangeira", e que se limitam a "apanhar migalhas", como "ofertas de viagem à Europa". Será esta um espelho fiel do que se passa em torno da família Chissano? metical - arquivo 1997 |