Moçambique on-line


Diário de Notícias de 22 de Dezembro 2000


Carlos Cardoso:
Credibilidade governamental no banco dos réus
por Fernando Balthazar de Lima *


Um mês depois do assassinato do jornalista Carlos Cardoso, governo e polícia fazem a política do disco riscado.

Na transição de sucesso que é Moçambique, Chissano e o seu Primeiro-Ministro dizem e repetem às audiências internas e externas que o caso está a ser seguido pela "Interpol e as polícias da região". A polícia refugia-se num refrão mais irritante: as investigações correm normalmente.

Pouco convencidos destas explicações, os repórteres do "Metical", o jornal que Cardoso editava diariamente, colocaram-se no terreno e fazem as seguintes constatações: um mês após o assassinato, no jornal, apenas um redactor e dois guardas foram ouvidos. O motorista, ferido no atentado, prestou declarações ao fim de três semanas. Não foram contactadas testemunhas oculares como transeuntes, condutores de mini-bus, vendedores de barracas no local do crime. Nem mesmo o jornalista que identificou o corpo, ironicamente, o editor de um jornal sensacionalista em que o crime é o grande "leit-motiv".

As insuficiências e o encolher de ombros policial não se fica por aqui: na noite da ocorrência não foi isolada a área do crime, não foi feito um "croquis", o carro em que seguia a vítima foi retirado do local por um popular, alguns minutos depois, perante a complacência dos policiais. Também este condutor de ocasião não foi interrogado pelas autoridades. O processo de investigação policial com a sigla Cardoso é raquítico: quatro a cinco páginas, segundo o "Metical". A famosa Interpol de que fala Chissano e Mocumbi ainda não foi vista no terreno. Nem pode. A sua presença em Moçambique resume-se a um modesto cubículo nas próprias instalações da polícia moçambicana e, no caso vertente, age ou agirá a partir de elementos fornecidos por esta.

O que mais exaspera os moçambicanos é que o assassinato de Cardoso não é um caso isolado. Antes, muitos outros crimes sem criminosos aconteceram. No Norte do país, na mesma semana em que Cardoso tombou, mais de cem moçambicanos sem direito a nomes nos jornais, morriam em sofrimento atroz numa cadeia de polícia. Duas organizações de direitos humanos conseguiram produzir relatórios preliminares. O governo não. O mesmo governo que também não põe em causa o governador local, o comandante nacional da polícia, o ministro do Interior. O governo do mesmo Estado que, em suspeita celeridade, julgou e condenou centenas de camponeses por terem participado em manifestações da oposição

Por pudor, o "Metical" não coloca a pergunta que está na boca de toda a gente. A BBC fê-la a Chissano na sua passagem por Londres. Está o Governo implicado na morte de Carlos Cardoso?

A presunção de inocência vale para todos, mas se Joaquim Chissano e o seu governo querem manter a credibilidade granjeada pela paz reconquistada e pelos índices macro-económicos, tem de mostrar serviço também na defesa dos direitos dos seus concidadãos.

Os executores e os mandantes da execução de Carlos Cardoso não podem permanecer em investigação ad eternum.

Senão, é a credibilidade do governo que se senta no banco dos reús...


 
* jornalista moçambicano


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