Carlos Cardoso:
Um mês depois do assassinato do jornalista Carlos Cardoso, governo e polícia
fazem a política do disco riscado.
Na transição de sucesso que é Moçambique, Chissano e o seu
Primeiro-Ministro dizem e repetem às audiências internas e externas que o
caso está a ser seguido pela "Interpol e as polícias da região". A polícia
refugia-se num refrão mais irritante: as investigações correm normalmente.
Pouco convencidos destas explicações, os repórteres do "Metical", o jornal
que Cardoso editava diariamente, colocaram-se no terreno e fazem as
seguintes constatações: um mês após o assassinato, no jornal, apenas um
redactor e dois guardas foram ouvidos. O motorista, ferido no atentado,
prestou declarações ao fim de três semanas. Não foram contactadas
testemunhas oculares como transeuntes, condutores de mini-bus, vendedores de
barracas no local do crime. Nem mesmo o jornalista que identificou o corpo,
ironicamente, o editor de um jornal sensacionalista em que o crime é o
grande "leit-motiv".
As insuficiências e o encolher de ombros policial não se fica por aqui: na
noite da ocorrência não foi isolada a área do crime, não foi feito um
"croquis", o carro em que seguia a vítima foi retirado do local por um
popular, alguns minutos depois, perante a complacência dos policiais. Também
este condutor de ocasião não foi interrogado pelas autoridades.
O processo de investigação policial com a sigla Cardoso é raquítico: quatro
a cinco páginas, segundo o "Metical". A famosa Interpol de que fala Chissano
e Mocumbi ainda não foi vista no terreno. Nem pode. A sua presença em
Moçambique resume-se a um modesto cubículo nas próprias instalações da
polícia moçambicana e, no caso vertente, age ou agirá a partir de elementos
fornecidos por esta.
O que mais exaspera os moçambicanos é que o assassinato de Cardoso não é um
caso isolado. Antes, muitos outros crimes sem criminosos aconteceram. No
Norte do país, na mesma semana em que Cardoso tombou, mais de cem
moçambicanos sem direito a nomes nos jornais, morriam em sofrimento atroz
numa cadeia de polícia. Duas organizações de direitos humanos conseguiram
produzir relatórios preliminares. O governo não. O mesmo governo que também
não põe em causa o governador local, o comandante nacional da polícia, o
ministro do Interior. O governo do mesmo Estado que, em suspeita celeridade,
julgou e condenou centenas de camponeses por terem participado em
manifestações da oposição
Por pudor, o "Metical" não coloca a pergunta que está na boca de toda a
gente. A BBC fê-la a Chissano na sua passagem por Londres. Está o Governo
implicado na morte de Carlos Cardoso?
A presunção de inocência vale para todos, mas se Joaquim Chissano e o seu
governo querem manter a credibilidade granjeada pela paz reconquistada e
pelos índices macro-económicos, tem de mostrar serviço também na defesa dos
direitos dos seus concidadãos.
Os executores e os mandantes da execução de Carlos Cardoso não podem
permanecer em investigação ad eternum.
Senão, é a credibilidade do governo que se senta no banco dos reús...
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