1. Produção de prova começa hoje 2. Questões prévias, nulidades e excepções 3. As contestações da defesa 4. Especialista sul africano descredibiliza autopsia 5. Público e transparente |
Julgamento do caso Carlos Cardoso Para além da responsabilidade criminal, a acusação particular exige indemnização no valor de 7 milhões de
contos para a família de CC e 500 mil contos para o motorista Carlos Manjate. (Maputo) O segundo dia do julgamento do caso Carlos Cardoso, hoje, vai ser marcado pelo início da produção de prova, através de interrogatórios aos arguidos. Essencialmente, o Tribunal vai tentar provar os factos já arrolados no despacho de pronúncia e nas acusações do Ministério Público e do assistente representando a família de Carlos Cardoso e o motorista Carlos Manjate. O dia de ontem foi reservado à leitura das acusações e do despacho de pronúncia. O juiz fez igualmente questão de pronunciar-se sobre nulidades, excepções e irregularidades processuais evocadas pela defesa. Fez-se também leitura de algumas peças de prova como o relatório de um perito sul africano em balística forense - que se referiu à forma como o crime foi perpetrado - e um documento da embaixada sul africana sobre os movimentos de uma das testemunhas de acusação, Rohit Kumar. No essencial, as acusações pública e particular não diferem. O relato dos factos e da matéria indiciária é quase o mesmo. Ambas acusam Vicente Ramaya e Ayob Satar de co-autoria moral do crime de homicídio voluntário qualificado na pessoa de Carlos Cardoso e de homicídio voluntário na forma frustrada na pessoa do motorista Carlos Manjate. Anibalzinho, Momad Assif, Manuel Escurinho e Carlisto Rachid são acusados de autoria moral dos dois crimes acima descritos. Sobre todos pesam igualmente as acusações de associação criminosa. Sobre Momad Assif pesa ainda a acusação de posse ilegal de arma de fogo. Sobre Anibalzinho e Manuel Escurinho a acusação de furto de viatura. Sobre Anibalzinho pesa ainda a acusação de falsas declarações e falsificação de documentos. A grande novidade nas acusações é que o assistente do Ministério Público representando a família de Cardoso exigiu formalmente a responsabilidade civil dos arguidos pelos danos causados à família de CC e ao motorista. A advogado Lucinda Cruz, depois de apresentar os argumentos para o efeito, anunciou o pedido de uma indemnização do valor de 7 milhões de contos para a família de CC, calculada essencialmente com base nos rendimentos anuais do jornalista multiplicados pelos anos presumíveis de suporte da educação dos seus dois filhos menores. Para o motorista Carlos Manjate, que na sequência do crime sofreu lesões que o impossibilitam de trabalhar como motorista, foi pedida uma indemnização no valor de 500 milhões de Meticais. Depois que as acusações e o despacho de pronúncia foram lidos, o juiz abriu espaço para a defesa se pronunciar. Um por um, todos os advogados contestaram as acusações, apresentando exposições, basicamente argumentando para a inocência dos seus constituintes. Apenas Eduardo Jorge, advogado de Momad Assif, não apresentou qualquer exposição de contestação, remetendo isso para os dias que se seguem, ou seja, ao longo dos autos. Este facto suscitou alguma curiosidade, na medida em que Momad Assif foi o autor dos depoimentos que trouxeram ao caso os nomes de Nhimpiny Chissano, Octávio Muthemba e de três ex-magistrados do Ministério Público, como sendo figuras interessadas na morte do jornalista Carlos Cardoso. O interrogatório a Momad Assif poderá ser determinante para uma primeira clarificação deste assunto, mas o advogado Eduardo Jorge disse o
mediaFAX que ele vai-se portar apenas na perspectiva da afirmação da sua alegada inocência. [topo] Questões prévias, nulidades e excepções (Maputo) Domingos Arouca, o advogado de defesa do arguido Ayob Satar deu o mote para a sessão de ontem ao reafirmar, no momento destinado às questões prévias, a questão da incompetência territorial do Tribunal, aliás subscrita por todos os advogados de defesa. Esta questão esteve no centro do último debate processual antes do julgamento. Os advogados ameaçaram não deslocar-se à BO em função dessa alegada incompetência territorial (para além da questão sobre a transparência de um julgamento tendo como palco a BO). Argumentaram que o crime foi cometido em Maputo-cidade e o julgamento devia ter lugar na mesma área territorial, e não na BO, que está na área de jurisdição da província de Maputo. Este argumento foi apresentado no processo na sexta feira e, no mesmo dia, o juiz respondeu, enfatizando que o Tribunal pode deslocar-se para qualquer parte do país em função das necessidades de segurança. Por outras palavras, o juiz já tinha indeferido essa questão suscitada pela defesa. Ontem, o Dr. Arouca argumentou que a Lei estabelece que a deslocação do Tribunal aconteça apenas dentro da área de jurisdição onde o crime foi praticado. E apresentou um recurso, reafirmando que o Tribunal só podia deslocar-se dentro da cidade de Maputo. Todos os advogados de defesa subscreveram o recurso. O juiz optou por não arrastar a discussão sobre este assunto, admitindo o recurso como sendo de agravo, não podendo o mesmo suspender a sessão do julgamento. A defesa manifestou-se inquietada por, como alegaram os advogados, não terem ainda sido notificados desse despacho de sexta feira. No decorrer da sessão, o juiz deu a conhecer as nulidades e excepções levantadas pela defesa. Entre as nulidades suscitadas consta uma diligência de audição em perguntas ao arguido Manuel Escurinho, na qual a PIC arrancou uma importante confissão, nomeadamente sobre a perpetração do crime e figuras envolvidas. O seu advogado, Simeão Cuamba, havia argumentado que essa diligência era nula porque ele não fora devidamente notificado para a mesma. O juiz considerou que essa nulidade ficava suprida pelo facto de ter sido nomeado a tempo um defensor oficioso e pelo facto de o arguido ter respondido em consciência e livremente. Recordou ainda que uma diligência de interrogatório a réu preso não é competência exclusiva no Ministério Público, podendo ser feita igualmente pela PIC. Uma segunda nulidade tinha sido levantada pelo arguido Nini, também referindo-se a depoimentos proferidos por Manuel Escurinho na BO. Nini argumentara que a tal confissão tinha sido forjada. O juiz também chumbou os argumentos do arguido. O advogado Cuamba levantara igualmente uma excepção quanto ao assistente do Ministério Público, considerando-o ilegítimo. O assistente, refira-se é o irmão de CC, José Cardoso, representado pela advogada Lucinda Cruz. O juiz e a advogado defenderam a legitimidade do assistente, o que acabou esvaziando os argumentos de Cuamba. Por sua vez, o advogado de Vicente Ramaya, Abdul Gani havia solicitado o desentranhamento dos autos das declarações e documentos entregues pelo advogado do BCM no caso da fraude, Albano Silva, ao Ministério Público, considerando que tinham a ver com a fraude ao BCM e não com o caso CC. Também o arguido Nini fizera o mesmo pedido. Mas ambos foram indeferidos. A última questão suscitada pela defesa relaciona-se com o depoimento de uma das principais testemunhas no caso, Dudu, consideradas como forjadas. O juiz
explicou detalhadamente porque é que o Tribunal tomou o depoimento de Dudu como válido. Este debate sobre as nulidades e excepções levantadas foi feito no
processo e, ontem, o juiz apenas fez questão de dar conta dele em sede de julgamento. [topo] As contestações da defesa (Maputo) O essencial da acusação que pesa sobre os seis arguidos em julgamento, um deles à revelia (Anibalzinho), já é conhecimento público, incluindo as provas indiciárias e as testemunhas de apoio. Sabe-se do mote do crime constante do processo (as abordagens insistentes do jornalista Carlos Cardoso sobre a necessidade do julgamento do caso BCM) e do peso de testemunhas como Dudu (no estabelecimento da ligação entre os autores materiais e morais) e Rohit Kumar (que terá sido solicitado pelos irmãos Satar para encontrar, um ano e meio antes do crime, alguém para eliminar CC). As contestações de Vicente Ramaya e Ayob Satar evidenciaram, em síntese, que nunca tiveram motivação para mandar assassinar CC. Ayob disse nunca ter estado envolvido na fraude ao BCM. Ramaya foi ainda mais longe ao comunicar que até estava a colaborar com CC para investigar novas alegadas fraudes ao BCM. ("As investigações de CC até poderiam trazer elementos importantes na defesa de Ramaya no caso BCM", alegou o advogado Gani Hassan). Ambos os arguidos tentaram descredibilizar a testemunha Dudu, apontando as contradições da sua autoria que já são do domínio público e enfatizando a sua "falta de idoneidade". Ayob Satar também atacou veementemente a testemunha Rohit Kumar, classificando-o de "mentiroso". Falando em nome de Anibalzinho e Escurinho, o advogado Cuamba contestou alegando que a acusação não se baseava em provas mas apenas em meras presunções. Para ele, nunca houve indícios suficientes. Negou as acusações de furto de viatura ("o carro roubado não coincide com o carro usado no dia do crime") e de posse ilegal de arma ("a arma no dia do crime esteve apenas na posse de Carlitos Rachid"). Cuamba também contestou a acusação, que pesa sobre Anibalzinho, de falsificação de passaporte e de falsas declarações. O último contestatário é Carlitos Rachid, o homem que, de acordo com a acusação, disparou contra CC, o mesmo que na véspera do
crime se dirigiu várias vezes ao jornal Metical para comprar a publicação ao mesmo tempo que vigiava os passos do editor. O seu advogado, Samuel Menezes, argumentou
que "o único crime que Carlitos Rachid cometeu foi ir ao Metical comprar o jornal". [topo] Especialista sul africano descredibiliza autopsia (Maputo) A autópsia feita ao malogrado CC continha algumas incorrecções, soube-se ontem na primeira sessão do julgamento do caso. Um dos
magistrados do Ministério Público foi soliticitado a ler o relatório de um exame efectuado por em perito sul africano em balística. O perito escreve que CC
não foi atingido "por mais de 8 balas", como diz a autópsia, mas por 5, e que as balas não foram disparadas "de baixo para cima", como diz a autópsia, mas de
cima para baixo e em movimento. Público e transparente (Maputo) Quando eram 10 horas da manhã, o colectivo de juizes, os magistrados do Ministério Público e as partes já estavam instalados na tenda montada no campo de futebol da cadeia de segurança máxima BO, nos arredores da capital. Dezenas de assistentes, idos da cidade e populares das redondezas, estavam presentes no local. Os arguidos só entraram na sala por volta das 10h40, altura em que o juiz Augusto Paulino deu início à sessão. Entre os assistentes, eram notórias as figuras de Graça Machel, Mia Couto e Marcelino dos Santos, para além de amigos do jornalista e personalidades da sociedade civil. A questão do acesso do público e da transparência do processo estava indiscutivelmente sanada. O público teve acesso fácil às instalações da BO, bastando para tal apresentar um documento de identificação. O acesso e trabalho dos jornalistas também foi acautelado. Não se pode dizer que a sessão de ontem não tenha sido pública e transparente. Aliás, a transparência extravasou até os limites estabelecidos pelo juiz Paulino no início da sessão, que alertara para que não
houvesse cobertura televisiva em directo, realçando o direito constitucional que consagra a presunção da inocência até decisão judicial
definitiva. "Um julgamento não é um comício nem um espectáculo", asseverou o juiz. Mas a TVM transmitiu em directo, alargando, portanto, a transparência
do processo, questão que tinha sido alvo de debate na véspera e que suscitou a ameaça dos advogados de defesa de não se fazerem presente à BO. [topo] |