Moçambique on-line

mediaFAX de 25 de Novembro 2002

1. O que pode acontecer a Nyimpine Chissano?
2. O dilema de Nini
3. Nini e a Lei Cambial
4. A busca da prova
5. Nini não pode ser acusado de lavagem de dinheiro

O que pode acontecer a Nyimpine Chissano?

O filho do PR pode ser arrolada pela defesa como "testemunha hostil" de Nini, ou pela acusação como testemunha contra Nini, ou pelo Tribunal como "declarante" para ajudar a compreender o caso

(Maputo) O que pode acontecer a Nyimpine Chissano agora que o seu nome foi mencionado por dois réus colocando-o como mandante do assassinato de CC?

O Código do Processo Penal prevê que Nyimpine pode ser chamado ao Tribunal na BO para ajudar na tarefa da produção de prova. Nyimpine pode ir à BO nas seguintes condições. A primeira seria no interesse da defesa.

Esta arrolaria o filho do Presidente da República para que este depusesse, confirmando a história contada por Nini. Tratando-se obviamente de uma "testemunha hostil" para si, a defesa não convocaria Nyimpine directamente, dado que o filho do PR estaria no direito de recusar; a defesa teria de pedir ao Tribunal para notificar o "empresário de sucesso", e aqui Nyimpine teria de cumprir as ordens do Tribunal.

Não se sabe se a defesa vai fazer isso. O advogado de Nini, Eduardo Jorge, tem sido parco em palavras quanto à sua estratégia. Na praça, existe uma corrente de opinião que advoga que a defesa chame Nyimpine, entendendo que cabe a Nini o ónus da prova. Isto é, Nini meteu Nyimpine no jogo e cabe-lhe provar isso, não havendo prova mais elucidativa do que uma confissão de Nyimpine. Mas uma outra corrente de opinião pensa que isso seria um "erro fatal", digamos uma última pazada de Nini na sua quase sepultura, uma vez que Nyimpine dificilmente confessaria: deve haver na defesa o receio natural de Nyimpine destruir em Tribunal o depoimento de Nini.

Mas a acusação, nomeadamente o Ministério Público e a acusação particular, podiam igualmente arrolar Nyimpine como testemunha, na esperança de que o filho do PR testemunhasse contra o réu Nini. Não há indicação de que isso possa vir a acontecer. Ao que temos vindo a perceber, a acusação não está muito preocupada com Nyimpine neste julgamento, dado que contra o filho do PR existe já um processo autónomo e ele deverá ser ouvido dentro de dias em instrução preparatória, tendo a possibilidade de defesa.

Os pareceres que o mediaFAX tem recolhido apontam que Nyimpine também pode ser chamado à BO pelo próprio Tribunal, isto no caso de o Juiz Paulino considerar que o seu depoimento tem importância capital no processo de produção de prova. Neste caso, Nyimpine seria arrolado como declarante.

Estas são as três possibilidades de Nyimpine chegar à BO. Existe, entretanto, mais uma via para que o juiz possa obter um depoimento do filho do PR sobre este assunto. Dado que existe um processo autónomo contra Nyimpine, relacionado com o assassinato de CC, ele poderia ser ouvido rapidamente nesse processo, extrair-se-iam as certidões do seu depoimento, levando-as para o processo em julgamento. Isso permitiria confrontar o depoimento de Nyimpine com o depoimento de Nini. Tudo parece indicar que é isto o que vai acontecer. Mas isto, se for assim, não significará que o processo autónomo morra; este processo, independentemente do futuro de Nini, deverá seguir curso, apoiando-se igualmente nas novas revelações feitas pelo réu Momad Assif.
(Marcelo Mosse)

[topo]


O dilema de Nini
O futuro de Momad Assif neste caso está ironicamente nas mãos de Nyimpine Chissano

(Maputo) O réu Momad Assif, acusado de autoria moral e material do assassinato do jornalista Carlos Cardoso parece estar numa posição complicada, num grandioso dilema. Hoje, o Tribunal vai continuar a interrogá-lo, mormente tendo como alvo os cheques que ele apresentou na semana passada, cheques esses da Expresso Tours e estampados com a assinatura do filho do PR, Nyimpine Chissano.

No que diz respeito a Nini, até agora, as coisas estão deste modo. Nini foi acusado de autoria material e moral do assassinato; o co-réu Manuel Escurinho veio apresentar um depoimento inocentando-o da autoria material; o co-réu Carlitos Rachid, que ainda não foi interrogado, vai ajudar a resolver esta questão; Nini fez uma confissão parcial, na medida em que indicou ter feito pagamentos a Anibalzinho, embora dizendo que só soube mais tarde que esses pagamentos tinham a ver com o assassinato de CC; Nini declarou que quem o instruiu para efectuar tais pagamentos foi Nyimpine Chissano, deixando implícita a ideia de que foi Nyimpine quem mandou assassinar CC; Nini apresentou quatro cheques, passados por Nyimpine, com datas posteriores ao assassinato de CC (outros três cheques foram por ele retirados do Tribunal depois de este os ter recebido); ao apresentar os cheques Nini pretendeu, mais do que acusar Nyimpine e embora para muita gente isso ficou explícito, pretendeu, dizíamos, provar a sua inocência.

Hoje, o Tribunal vai voltar a interrogar o réu sobre os cheques. Nini arrolou os cheques como prova, mas estes documentos em si só não indicam a natureza da transacção efectuada; por outras palavras, parece claro que os cheques foram pagos a Nini por Nyimpine, mas não está ainda claro se eles tem a ver com os pagamentos em numerário que Nini confessou ter feito a Anibalzinho.

Por outro lado, é de extrema importância saber se Nini vai apresentar uma relação directa (uma prova material) entre os cheques de Nyimpine e o pagamentos a Anibalzinho, ou se tudo se baseia no seu depoimento. Na tentativa de provar a sua inocência, depois da sua confissão parcial, Nini parece estar em maiores dificuldades do que a opinião pública pensa. O seu futuro passa sobretudo por Nyimpine Chissano (ver texto de abertura). Cada vez mais, parece que Nini depende muito de Nyimpine confirmar que passou os cheques a Nini para este, por sua vez, efectuar pagamentos a Anibalzinho relacionados com o assassinato do jornalista.
(M.M.)

[topo]


Nini e a Lei Cambial

(Maputo) Uma das confissões do réu Nini em pleno Tribunal é a de que ele fez transferências e comércio de moeda para a África do Sul, onde diz ter um amigo de nome Bachir.

Esta matéria é abordada em Moçambique pela Lei nº 3/96 de 4 de Janeiro (Lei Cambial).

O mediaFAX fez uma incursão ao estabelecido nessa lei no que diz respeito a infracções cambiais (Cap.IV). O seu artigo 15 diz que constituem contravenções cambiais:

  1. As operações de invisíveis correntes, importação, exportação ou reexportação de capitais entre residentes e não-residentes, realizadas sem o registo ou a respectiva licença da autoridade competente, quando legalmente exigidos;
  2. A liquidação de qualquer operação de mercadorias, bem como as operações de compensação efectuadas sem o registo ou respectiva licença da autorização competente, quando legalmente exigidos;
  3. As operações que, sem a observância do disposto nos artigos 9 e 14, envolvam ou possam envolver a aquisição ou a alienação de meios de pagamentos sobre o exterior, bem como de ouro e prata amoedados, em barra ou qualquer forma não trabalhada, platina e outros metais preciosos.

De acordo com esta lei, "as contravenções cambiais são puníveis com multa calculada entre o dobro e o quíntuplo do valor dos bens ou direitos a que respeita a violação; sempre que a infracção não possa ser traduzida em numerário a multa não será inferior 5 000 000,00 Mts nem superior a 100 000 000,00 Mts, competindo ao Conselho de Ministros a sua actualização, pelo menos uma vez por ano; A multa aplicável será elevada ao dobro, em caso de reincidência; Dá-se a reincidência quando o agente de infracção comete outra da mesma natureza antes de decorrerem dois anos, a contar da condenação anterior".

No seu artigo 16 (Fraude cambial), a mesma lei diz que "aquele que cometer fraude cambial, realizando em simultâneo as operações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 15, será condenado a prisão não inferior a seis meses e multa calculada nos termos do mesmo artigo, sem prejuízo de penas adicionais ou mais graves determinadas por demais legislação".
(da redacção)

[topo]


A minha opinião: Maria de Lourdes Torcato
A busca da prova

Não se pode responsabilizar os meios de comunicação pelo facto de o público já estar a antecipar o julgamento e a dar como mandante do assassinato de Carlos Cardoso um dos citados por dois dos réus ouvidos no tribunal: Nyimpine Chissano. Mas este jornal e outros têm-se esforçado por esclarecer a opinião pública, alertando que por enquanto não há nenhuma prova de que ele - ou qualquer outra pessoa - sejam culpados. Por isso o julgamento prossegue.

É incorrecto e contrário aos interesses da Justiça chamar aos advogados de defesa dos réus, "advogados do Mal", como li algures há dias. Os réus são antes de tudo, pessoas com direitos humanos. Têm o direito, consagrado nas nossas Leis, a serem ajudados a defender-se por um advogado, para provar a sua inocência ou encontrar atenuantes para a sua culpa.

Entretanto, na "busca da prova", há muito a esperar do inquérito à fuga do réu Anibalzinho. Este inquérito, a que o réu Nini já aludiu quando falou da sua "conversa informal" com o Comandante Cossa, foi prometido pelo Governo. Segundo apurei nos últimos dias, há mesmo dois inquéritos, ambos já concluídos. Mas as conclusões, se chegaram a alguma, não foram ainda divulgadas. Quem tinha interesse em pôr Anibalzinho em Lisboa ou em Nelspruit, em Londres como diz a mãe do Anibalzinho, ou no Dubai como também já ouvimos? Certamente quem tem medo das suas ameaças de "contar tudo" se for levado a tribunal.

Não é de acreditar em absoluto, por razões óbvias, nem nas declarações dos réus, nem das da mãe do réu foragido, que pretendem agora separar os alegados autores morais de fora da cadeia, dos indiciados autores morais na cadeia, isto é, Nyimpine Chissano e os irmãos Satar mais Vicente Ramaya. Manuel Escurinho, detido e acusado da autoria material, fez um depoimento em que pretendeu ilibar Nini (e os outros dois, Ayob e Vicente) de terem sido os mandantes, para só acusar Nympine. Anibalzinho, pela boca da mãe, desmente que Nyimpine tenha alguma coisa a ver com o crime e acusa só os Satar.

"Um caso muito complexo", não se cansa de repetir o advogado de Nini. Por isso é tão importante que o inquérito à fuga de Anibalzinho tenha sido feito com competência e tire conclusões que possam ajudar o Juiz Paulino na tarefa sobre-humana que este caso está a ser para ele. Até agora, como prova da palavra dos dois réus, foram apresentados ao Tribunal - como evidências de que o mandante foi Nympine - 4 cheques com datas intervaladas a partir do dia seguinte ao crime, 23 de Novembro de 2000, até Dezembro do mesmo ano. Os cheques são ao portador, isto é não são a favor de ninguém especificamente nomeado. Estão assinados, mas falta provar através de peritos, se a assinatura é de Nympine.

Nympine ainda não foi ouvido como arguido, ou testemunha. Quando o tribunal o chamar, e no caso de serem seus os referidos cheques, ele terá de convencer, sem margem para dúvidas, de que os cheques se destinavam a pagar outra coisa que não fosse aquilo que os réus declararam - o assassinato de Carlos Cardoso. O que ouvimos até agora já deu um panorama de como funciona o mundo dos negócios obscuros, ilícitos, ilegais e, possivelmente criminosos, nesta capital. Não há documentos quando grandes quantias mudam de mãos: tudo se passa na base da "confiança". Hotéis, com e sem casino, podem servir para mais do que locais de encontro entre "homens de negócios", porque também permitem, pela natureza da sua actividade, esconder rendimentos ilícitos sob a capa da sua actividade normal.

Neste país, onde muito pouco se produz e menos ainda se exporta, abundam em contrapartida os símbolos de riqueza: carros de luxo e mansões. O dinheiro circula em abundância. Mas muito dele provavelmente passa por aqui apenas para ser "lavado". Os meios para fazer a "lavagem de dinheiro" são muitos. Há normas internacionais para os bancos, cujo objectivo é obstar à "lavagem" de dinheiro obtido através de negócios ilícitos e tráficos criminosos. Até que ponto o nosso Banco Central está alerta e procura fazer cumprir essas normas, não sabemos.

E assim, a propósito do julgamento de Carlos Cardoso, o que ouvimos e lemos traz-nos à mente os negócios mafiosos tal como são retratados em certa literatura policial ou no cinema americano. Há dois mundos onde o dinheiro circula: o legal onde as transacções se fazem através de documentos, e os ilícitos, ilegais e de carácter criminoso, onde tudo se passa sem deixar rasto. As quantias que provêem deste tipo de negócios, circulam quase sempre em dinheiro vivo (e cheques ao portador). Este precisa de ser "lavado", entrando de qualquer modo no circuito legal, através do sistema bancário. O problema num país subdesenvolvido como Moçambique é que, sendo a maior parte da economia informal, é difícil estabelecer a fronteira entre o informal honesto e o "informal" ilícito, ilegal e criminoso. E entretanto, a busca da prova, neste caso Carlos Cardoso, ainda vai levar muito tempo, muito suor e muito esforço mental até se chegar àquilo que o povo moçambicano anseia: que os culpados sejam punidos e a Justiça seja soberana.

[topo]


Tendo por base dos seus negócios com o Casino do Polana
Nini não pode ser acusado de lavagem de dinheiro

(Maputo) Desde que Nini contou em Julgamento a sua relação de negócio com o Casino do Hotel Polana ficou instalada na opinião pública a percepção de que ele tinha confessa o crime de lavagem de dinheiro. Não é verdade. Trata-se de uma percepção errada, dado que o crime de lavagem de dinheiro tem origem em dinheiro ilícito. De acordo com o depoimento de Nini, ficou claro que ele fez empréstimos de dinheiro ao Casino do Polana, mas o facto de ter concedido empréstimo não o incrimina. Para ele ser conotado com esse crime tinha de ficar provado que o dinheiro por ele emprestada provém de actividades ilícita.

O mediaFAX, para um melhor entendimento do leitor, recupera o essencial do que diz a nova Lei sobre de Dinheiro foi aprovada pela Assembleia da República nos meses finais de 2001, numa iniciativa do Governo. A nova lei foi vista como mais um esforço no sentido do combate à crime organizado em Moçambique. Ela veio se juntar a dois outros articulados legais anteriores, nomeadamente a Lei da Droga aprovada em Março de 1997 - que define o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumos ilícitos de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Precursores, Preparados e Outras substâncias. Existe também o Decreto Lei nº 41/97, de 18 de Dezembro, que cria a estrutura orgânica do Gabinete Central de Prevenção e Tráfico de Drogas.

No entendimento dos legisladores moçambicanos, o combate ao trafico e uso ilícito de drogas, designadamente a prevenção e repressão do fenómeno, encontra-se intrinsecamente ligado à questão da lavagem de dinheiro.

Os mesmos legisladores argumentam que em Moçambique se podem identificar quatro tipos de condutas criminosas graves cujas actividades implicam elevadas somas de dinheiro e que conduzem os seus autores à lavagem de dinheiro. Trata-se do tráfico ilícito de drogas, tráfico de viaturas roubadas, tráfico ilícito de armas e o proxenetismo.

A nova lei tem por objectivo estabelecer o regime jurídico de prevenção e repressão da utilização dos sistema financeiro para a prática de actos intencionais de branqueamento ou lavagem de capitais, bens, produtos ou direitos provenientes de actividades criminosas definidas nos termos da mesma lei.

A lei compõe-se de quatro blocos, nomeadamente o âmbito de aplicação, que cobre as demais instituições financeiras cujo objecto de actividade pode facilitar ou promover a prática de lavagem de dinheiro; as actividades e associações criminosas ligadas à lavagem de dinheiro, nomeadamente o tráfico ilícito de estupefacientes, a produção, fabrico e tráfico de armas de fogo, o tráfico ilícito de veículos automóveis furtados e as associações criminosas; as principais penalizações; e, por último, o regime jurídico das obrigações das instituições financeiras. Como se vê, a lavagem de dinheiro tem de estar relacionada com uma actividade ilícita anterior. Talvez seja por isto que o juiz tem vindo a tentar que Nini explique a proveniência do dinheiro que empresta.
(da redacção)

[topo]


A lavagem de dinheiro em Moçambique

No ano passado, o jornalista Joe Hanlon fez uma abordagem exaustiva sobre a lavagem de dinheiro em Moçambique. Nunca é demais recordar alguns detalhes do fenómeno, agora que se fala muito nele em função de Nini.

clique aqui para ler o artigo de Hanlon
publicado no metical em 1 de Outubro 2001

 


Moçambique on-line - 2002

Clique aqui voltar para voltar à página principal