1. Os "negócios" de Cândida 2. Cândida enterra irmãos Satar e iliba Nyimpine 3. Muthemba só será ouvido no processo autónomo |
Os "negócios" de Cândida (Maputo) Cândida Cossa recusou-se a prestar informação em Tribunal, ontem, sobre a origem da sua riqueza, para justificar o tanto dinheiro que anda a sua volta. Ela estava no seu direito, mas isso não afasta a pergunta: de onde veio tanto dinheiro? Com 36 anos de idade, Cândida mergulha em fios caríssimos, viaja para o estrangeiro pelo menos 4 vezes ao mês, dá-se ao luxo de não reaver a soma de 450 mil USD e parece ter poderes para abafar processos já em fase de instrução na África do Sul. Em pouco tempo, mudou de casa duas vezes, tendo morado nas zonas de elite de Maputo. Uma das casas situa-se na encosta para quem vai a Costa do Sol, onde pagava alegadamente uma renda mensal de cerca de 5 mil USD. A senhora dá créditos sem garantias mas também os obtém na banca comercial com relativa facilidade. Ela contou ontem que a sua relação com o Banco Austral era a de "simples cliente", mas tem uma "dívida já resolvida" de 250 mil USD, para cuja obtenção teve a intervenção privilegiada e directa do então PCA Octávio Muthemba. Cândida é o exemplo da nova burguesia moçambicana que se endinheirou por processos ainda não muito claros e continua a mover-se nos esquemas paralelos que caracterizam boa parte da actividade empresarial em Moçambique. Aos 26 anos, ela era uma simples funcionária das alfândegas, mas hoje, dez anos depois, Cândida já experimentou vários negócios. Quando abandonou as alfândegas, abraçou a criação de frangos, chegando a ter de uma só vez "40 mil". Hoje não se sabe lá muito bem onde anda metida, havendo alegações de que está altamente endividada, fruto das suas ligações empresariais. É aparentemente isso que justifica o facto de ter transitado de uma luxuosa vivenda na encosta para um apartamento no Bairro Central. Ao longo do seu depoimento no julgamento do caso Carlos Cardoso, ela revelou que, para além dos frangos, já teve um supermercado. O mediaFAX tem o registo de que ela também investiu na panificação e que já representou uma marca de whisky, através da empresa Liqours (que disse ter vendido por 205 mil USD a Nyimpine, N´naite e a Apolinário Pateguana). Ontem, Nini Satar fez mais uma revelação acerca da natureza dos seus negócios. "Quando a conheci entre finais de 1998 e princípios de 1999, ela fazia negócio de tabaco. Eu contactei-a, na qualidade de intermediário, para tentar vendê-la 5 mil caixas de tabaco", contou Nini, acrescentando que o negócio nunca foi fechado, não avançando as razões. Em Moçambique, o tabaco é um dos produtos de maior contrabando, entrando no país em esquemas sofisticados de fuga ao fisco, tal como as bebidas alcoólicas. Antes da entrega das Alfândegas à Crown Agents, o contrabando destes produtos era um prática com retaguarda segura no seio do Estado, explicando o rápido endinheiramento de muitos funcionários das Alfândegas. A história de Cândida encerra muita curiosidade. Na altura em que travou conhecimento com Nini, o negócio de tabaco não se concretizou, mas Cândida aproveitou a oportunidade para contrair um crédito de "200 a 300 milhões", segundo declarações de Nini. Terá sido a partir daí que ela começa a aprofundar as suas relações com os arguidos do processo da fraude ao BCM – a conhecida fraude de 14 milhões de USD, motivação nº 1 do assassinato do jornalista Carlos Cardoso. Pouco tempo depois, a "empresária" contraiu um empréstimo de 130 mil USD, a Gulamo Shabir, para levar a cabo "obras de construção". Nessas obras ela chega a usar os préstimos de um cidadão de nome Vasquinho, que se encontra hoje detido, amplamente conhecido no submundo do tráfico de viaturas roubadas. "O Vasquinho emprestou-me o seu camião", contou Cândida ao Tribunal. Mas o crédito de 130 mil USD não caiu bem. Cândida não conseguia pagar e Shabir levou os cheques pre-datados - que ela apresentara como garantia - à Unicâmbios para Nini avançar o valor e ficar a cobrar à senhora. Como esta história se resolveu não ficou bem claro ao mediaFAX, mas Cândida disse ter passado por ameaças de Nini. Seja como for, a mesma Cândida que teve dificuldades em pagar 130 mil USD consegue, ainda em 1999, conceder créditos a outros empresários. Por via de Vicente Ramaya, Cândida Cossa concedeu um crédito de 450 mil USD a um comerciante de Pemba, de nome Zulficar Sulemane. Até hoje ainda não conseguiu o dinheiro de volta, mesmo depois de ela e Ramaya terem voado para Pemba e induzido Zulficar a assinar uma "confissão de dívida" e apresentar bens de hipoteca. Cândida confirmou ontem que nunca chegou a accionar a tal hipoteca, mas não explicou porquê. Ramaya trouxe mais detalhes para justificar o facto de Zulficar não ter devolvido o dinheiro a Cândida. Zulficar, na altura do negócio, era, de acordo com Ramaya, dono dos complexos Nautilus e Caracol e tinha ainda uma residencial de nome "Lis". Para além de um suposto financiamento do IFC ter sido chumbado a Zulficar (era esse financiamento que cobriria o crédito de Cândida), de acordo com Ramaya, o empresário de Pemba viu-se a braços com uma avalanche de credores à porta. "Ele devia 67 bilhões ao BCM, devia 1.500.000 USD ao Humberto Rasse Monteiro e 460 mil USD ao Bazar Central. É por isso que ele não conseguiu pagar a dívida", contou Ramaya, cuja mulher chorou quando em Março deste ano Cândida foi exigir o pagamento do crédito. Esta situação não impediu Cândida de safar a Expresso Tours da "maka" da Budget Rent-a-Car, de que ontem falamos. "Eu emprestei-lhes 250 mil randes e 30 mil USD para eles resolverem o problema", contou a senhora, revelando que a dívida global da Expresso Tours à Budget era de 750 mil randes, referente "a duas viaturas acidentadas", as quais haviam sido alugadas para servirem numa conferência internacional em Maputo. Para além deste "apoio", Cândida deu uma mão a Nyimpine, Nanaio e N´naite na aquisição de três viaturas de luxo, da marca
Mercedes, dois S-Class e um E-class. Os empresários terão adquirido as viaturas a crédito, com a ajuda de Cândida, mas não conseguiram pagar a tempo.
Cândida é afilhada de casamento de Abdul Magid, do Bazar Central. Magid é irmão do dono do stand em Durban, Hussein, onde os Mercedes foram adquiridos. Hussein,
contou Cândida, deslocou-se a Maputo para recolher o dinheiro ou levar de volta as viaturas. Com a intervenção de Cândida, chegou-se a um acordo com Nini.
Nyimpine passaria cheques para Cândida como garantia e Nini entregava os valores ao Bazar Central que, por sua vez, os faria chegar a Durban. É esta a razão porque
aqueles cheques da Expresso Tours foram chegar a Nini, na versão da "empresária". O réu tem insistido numa outra versão. [topo] Cândida enterra irmãos Satar e iliba Nyimpine (Maputo) A declarante Cândida Cossa, identificada como empresária perante o Tribunal, fez ontem um depoimento que reforça a acusação contra os irmãos Satar no assassinato do jornalista Carlos Cardoso. Por outro lado, Cândida depôs favoravelmente a Nyimpine Chissano. Tendo em conta o despacho de pronúncia, Cossa reforçou as alegações contra os irmãos Satar ao contar uma história sobre alegadas ameaças de que teria sido alvo, num dos quartos do Hotel Rovuma, e revelando uma versão sobre os cheques diferente da que Nini contara e aproximada ao que Nyimpine Chissano explicou ao Tribunal. Ela disse que em Agosto do ano 2000, os irmãos Satar conduziram-na para um quarto do Hotel Rovuma, onde obrigaram-na a alterar, sob ameaça, o teor de uma declaração que havia depositado na Polícia de Investigação Criminal na sequência de mais um negócio envolvendo cheques. "O Ayob e o Nini levaram-me de carro para o Hotel. Eles conduziram-me para um dos quartos. Uma vez lá dentro, o Nini tirou as chaves do bolso e trancou a porta. Depois pediram-me para alterar o teor de uma declaração. O Nini falou dos meus filhos, que podia mandar uns homens para a minha casa". Mais tarde quando foi perguntada se, ao chegarem ao Rovuma, os três passaram pela recepção do hotel para eventual registo e recolha de chaves, Cândida respondeu que "não", acrescentando que subiram directamente ao quarto. Esta história parece ter dado um grande apoio à acusação, dado que ela refere-se a reuniões realizadas no Hotel Rovuma com o propósito de abordar o atentado falhado ao advogado Albano Silva e traçar a conspiração contra CC. Os irmãos Satar recusaram categoricamente terem alguma vez estado num dos quartos do Rovuma. Cândida alegou não só que teve pelo menos uma reunião com os Satar no Rovuma como também que Nini até possuía as chaves de um quarto. O seu depoimento também poderá funcionar como um alibi para Nyimpine Chissano, uma vez que ela trouxe uma versão dos cheques diferente da que o réu Nini contara ao Tribunal. Recorde-se, Nini apresentou sete cheques passados por Nyimpine como prova da sua inocência, enfatizando que o filho do Presidente Chissano lhe passara os cheques para cobrir os pagamentos que ele, Nini, fez ao réu Anibalzinho. Nyimpine já negara isso em Tribunal, afirmando que foi Cândida quem fez chegar os cheques a Nini. Cândida contou que os cheques passados por Nyimpine eram apenas uma garantia de um crédito solicitado aos irmãos Satar, o qual se destinava à compra de viaturas. Após a audição desta declarante, o advogado Eduardo Jorge, que defende Nini, requereu que o seu constituinte se pronunciasse quanto a estes aspectos. Nini voltou a dizer que os cheques lhe foram entregues pessoalmente por Nyimpine e destinavam-se a cobrir os pagamentos que ele fizera a Anibalzinho. Relativamente aos quartos, Nini disse que Cândida estava a mentir, que ele nunca se encontrara com a senhora no Rovuma e que nem sequer tinha chaves. Ayob Satar também disse, em sede de contraditório, que nunca esteve no Rovuma com Cândida, que apenas teve encontros com a senhora na
Unicâmbios. [topo] Muthemba só será ouvido no processo autónomo "Não gostaria que a retirada do meu depoimento fosse vista como uma obstrução à justiça e aumente a suspeição à volta da minha pessoa" (Maputo) O Ministério Público requereu, e o Tribunal deferiu, que o antigo PCA do Banco Austral, Octávio Muthemba, não fosse ouvido em declarações neste julgamento. "O MP prescinde", disse o procurador Mourão Baluce, alegando que ao longo do julgamento não tinham surgido novas matérias incriminatórias do administrador da Hidroeléctrica de Cahora Bassa no assassinato do jornalista Carlos Cardoso. Muthemba estava para ser ouvido ontem como declarante em função das referências feitas ao seu nome, vindas do réu Nini. Sabe-se que sobre Muthemba o Ministério Público está a instruir um processo-crime, o mesmo que o de Nyimpine Chissano, que leva o número 188/02. Aliás, o juiz Paulino fez questão de recordar que Muthemba será ouvido à luz deste processo. Ontem Muthemba fez-se presente ao Tribunal. O juiz revelou que o antigo PCA do Banco Austral tem vindo a comparecer ao Tribunal mesmo antes de ter sido notificado como declarante. "É de louvar esse seu voluntarismo", disse Paulino, depois de mandar Muthemba entrar na sala. Muthemba agradeceu e afirmou o seguinte: "Estarei sempre disponível. Mas quero que a retirada do meu depoimento não seja vista como uma
obstrução à justiça e aumente a suspeição à volta da minha pessoa". [topo] |