(Maputo) O Presidente Joaquim Chissano disse ontem, numa
entrevista à BBC World, que não é fácil, para Moçambique,
tomar uma posição dura contra o regime de Robert Mugabe sobre
o que se passa no Zimbabwe, justificando-se, não com o
fundamento na sua amizade com Mugabe, mas com a ideia de
que se trata de assunto sensível.
"O Zimbabwe é vizinho de Moçambique e a nossa economia
depende, nalguns pontos, do que acontece na economia do
Zimbabwe. Quando a economia zimbabweana vai mal, quem
primeiro sofre é Moçambique. Temos caminhos de ferro, portos e
electricidade que servem o Zimbabwe. E temos fronteiras comuns
com muita actividade comercial. Daí que, quando há instabilidade
lá, o primeiro que sofre é Moçambique".
O jornalista da BBC retorquiu que a estabilidade é geralmente
baseada na justiça. Chissano disse que concordava.
Acredita que os políticos, quaisquer que sejam, devem
respeitar a lei?
"Sim, eles devem ser respeitadores da lei".
O senhor é respeitador da lei no seu país?
"Sim, sou".
E se um juiz tomar uma decisão, você cumpriria?
"Sim".
Então, quando Robert Mugabe diz que os juizes não têm o
direito de dar instruções ao presidente, você não compartilha
dessa opinião.
"Não compartilho a visão de que os juízes não têm o direito de dar
instruções ou tomar decisões. Eu pergunto-me é se as condições
para implementar as decisões estão criadas".
Mas lei é lei.
"Sim, mas a aplicação da lei em certos casos pode levar ao caos e
outras consequências adversas, as quais não eram intenção de
uma decisão judicial. Então, temos que ser conscientes".
Quem decide que o caos depende das decisões judiciais e
quem decide se essas decisões devem ou não ser ignoradas?
O que me está a dizer é que os políticos estão acima da lei,
pois são eles que decidem que decisões judiciais devem
seguir.
"No caso do Zimbabwe, os juízes concluiram que havia uma
violação legal. E decidiram que a Polícia e o Exército deviam
intervir para retirar as pessoas das farmas. Mas você tem uma
Polícia composta quase pelas mesmas pessoas que ocuparam as
farmas. Como político, você vai ter que perguntar-se como e
quem deve utilizar esse instrumento legal. Como usar a lei sem
criar o caos. No caso do Zimbabwe, se os zimbabweanos deviam
ou não fazer o que a lei pedia. Eu estou a tentar ver, em termos
claros, pois eu estou próximo deles. Quem são as forças da
Polícia e do Exército e quem são as pessoas que querem comprar
as terras".
Está a dizer que a lei é um instrumento flexível e que depende
muito dos políticos...
"Não, aqui os políticos não têm a prerrogativa de decidir se uma
decisão judicial é ou não correcta".
Mas é o que aconteceu no Zimbabwe, não é? O governo do
Zimbabwe fez isso. Eles disseram que a ocupação das farmas
podia ir avante.
"Você está a falar como um jornalista ou político de um outro
lugar, que não está lá no terreno. Mas a forma como as coisas
são ditas numa situação daquelas causa problemas. (...) É uma
questão muito sensível".
Esta crise no Zimbabwe não pode levar à emergência de um
novo tipo de racismo no continente? Falo especificamente
por causa do que os farmeiros brancos têm estado a ouvir:
"África é para os africanos negros. Esta é minha terra, que
foi roubada pelos colonialistas". O sr presidente apoia este
tipo de declarações?
"Creio que é um tipo de declarações que não tem conotação
muito séria".(...)
Moçambique está preparado para oferecer terras aos
farmeiros zimbabweanos brancos?
"Nós não pensamos nesses termos. Nós estamos preparados para
cooperar com qualquer zimbabweano que se queira instalar em
Moçambique. E não é uma decisão baseada na ideia de que eles
estejam a sair do Zimbabwe devido à actual instabilidade.
Receberíamos os agricultores zimbabweanos da mesma maneira
que recebemos os portugueses e os sul africanos".
metical - arquivo 2000 |