Relatório e contas augura futuro melhor
BCM: o branqueamento da imagem
(Maputo) O relatório do BCM relativo ao exercício de 1999,
publicado na última sexta-feira, confirma o enorme descalabro
financeiro do maior banco moçambicano. Os números
apresentados falam por si. Os prejuízos do exercício (1 987
milhões de contos) representam quatro vezes mais o capital social
do BCM (526,5 milhões de contos).
Um analista da praça, confrontado com o relatório, não resistiu
em traçar a seguinte imagem: estamos perante o terceiro acto de
uma peça teatral chamada "Privatização das Instituições
Financeiras". Mas o teatro, diz ele, é genuinamente real e consiste
no assalto perpetrado por gangsters ao erário público, através da
manipulação da maior instituição financeira do país. Este terceiro
acto tem por característica dominante a entrada em cena de
Jardim Gonçalves. Ele entra da seguinte forma, segundo o
analista: "Ficas com o monopólio financeiro em Moçambique e em
troca limpas e salvas o BCM".
A primeira fase, conta a fonte, consistiu no saque directo, quer
pela utilização de fundos de crédito incobráveis, quer por fraudes.
Desta fase estamos ainda a viver o roubo dos 144 bilhões de
meticais.
A segunda fase foi aquela em que o Estado tentou
encontrar um comprador do BCM que, a troco de favores
especiais, desse cobertura a tudo o que estivesse sujo. Esse
comprador foi o metalomecânico português, António Simões, o
mesmo que comprou a Companhia Siderúrgica de Moçambique
(CSM) com fundos emprestados pelo Tesouro a juros
concessionais. (A CSM viria a funcionar, após a privatização,
apenas alguns meses).
Esta fase teve algumas dificuldades quando António Simões se
revelou incapaz de pôr dinheiro no BCM. Por isso, ele foi
substituído. Agora, com a entrada de um poderoso parceiro, o
BCP de Jardim Gonçalves, já é possivel normalizar-se a situação
e passar-se à terceira fase: garantir que o BCM continue e
ninguém fique beliscado! É isto o que o presente relatório
pretende transmitir.
Talvez por isso é que o relatório e contas do exercício de 1999 do
BCM, no qual se confirmam os conhecidos prejuízos de cerca de
124 milhões USD, diz a certo passo: " ... o Banco Comercial de
Moçambique poderá continuar a encarar o futuro com
confiança".
Apesar dessa confiança no futuro, o relatório do 1º semestre de
2000 apresenta prejuízos acumulados de 130 milhões de USD,
pois os primeiros seis meses deste ano produziram um prejuízo da
ordem dos 6 milhões de USD.
O relatório do BCM não faz em parte alguma qualquer referência
à fraude de que o banco foi vítima durante o exercício de 1999
e muito menos referencia o impacto nas suas actividades. Com
efeito, durante algumas semanas, particularmente entre Março e
Julho de 1999, como consequência do desvio de dinheiro, o banco
enfrentou problemas de tesouraria. Mesmo com a pronta
reposição de 10 milhões de USD por parte do tesouro é inegável
que as operações do BCM foram afectadas.
Os autores do presente relatório ignoram esse processo. E iniciam
a sua prestação de contas considerando que "1999 constituíu um
marco importante no aprofundamento do conhecimento da
situação económico-financeira do banco".
Em que resultou o "aprofundamento do conhecimento"? A
resposta talvez se encontre no último parágrafo dos auditores, a
Price, WaterHouse & Coopers: " ... em resultado de uma profunda
análise dos principais activos e passivos do banco que tem vindo a
ser feito desde a privatização e com o objectivo de fazer reflectir
nas demonstrações financeiras as suas melhores estimativas da
situação patrimonial do banco a 31 de Dezembro de 1999 (a
Administração) decidiu criar provisões no montante de 2 217 623
milhões de contos.
Estas provisões, embora parcialmente relativas à actividade do
banco desde a sua criação em 1992 foram essencialmente
imputadas a resultados do exercício dada a dificuldade de
imputação aos diferentes exercícios económicos até 1998..."
Que quer isto dizer? Uma fonte próxima à Administração do
BCM explicou ao "mt" que Jardim Gonçalves, na qualidade de
novo patrão - por representar o BCP - deu ordens para se fazer
uma nova avaliação dos activos do banco, em particular do
Crédito Concedido. O resultado foi o desastre de se ter
constatado que tudo o que o BCM disse no passado sobre os seus
lucros era mentira. Houve sempre prejuízo. As elites ligadas ao
poder receberam créditos que nunca pagaram e nunca vão pagar.
Por isso, agora chegou o momento de limpar tudo. E, sobretudo,
fazê-lo agora é importante porque assim, desde os créditos mal
parados às consequências da(s) fraude(s), no mesmo saco, fica
tudo no arquivo morto.
Face a este cenário, o analista que temos vindo a citar comentou:
"Enquanto as fases 1 e 2 não estivessem terminadas, seria
perigoso o BCM apresentar prejuízos. Agora já há o BCP em
cena. Qual é o preço desta entrada em cena de Jardim Gonçalves
e do BCP? Penso que muitas das perguntas e receios avançados
pelo 'mt' estão, agora, pelo menos semi respondidas.
A primeira, a da hesitação quanto ao monopólio: para que Jardim
Gonçalves aceitasse a batata quente do BCM, o governo não se
opôs a que o BCP ficasse com o monopólio do sistema financeiro.
A segunda, a de não levantar questões sobre quem são os
devedores e gangsters. O relatório, não dizendo nada sobre a
existência de tais problemas, é um bom contributo para se tentar o
esquecimento."
Segundo as nossas fontes, Gonçalves "fechou" o negócio BCM
impondo ao Estado moçambicano três condições: ele punha o
dinheiro para recuperar o banco mas, publicamente, os prejuízos
do banco tinham que ser vistos claramente como anteriores à sua
entrada; o Estado devia garantir, em papel, que acompanharia o
saneamento financeiro, mas sem que estivesse obrigado a cobrir
rapidamente a sua parte (por isso é que, talvez, as obrigações de
tesouro anunciadas pelo governo não representam a totalidade do
valor que o Estado deve entregar ao banco) e o Estado garantia
um actuação no sentido de o monopólio BIM/BCM não suscitar
um côro de oposições públicas dentro do sector financeiro
moçambicano (por isso é que nenhum banco se opôs abertamente
contra o monopólio).
(redacção e M.M.)
Pedro Bule deixa a UTRA
(Maputo) A Ministra do Plano e Finanças, Luísa Diogo, acaba de
exonerar o director da Unidade Técnica de Reestruturação das
Alfândegas, Pedro Bule, segundo comunicaram-nos várias fontes
durante o fim de semana. A informação circula nalguns círculos
restritos de Maputo há alguns dias, mas só na sexta-feira é que
começou a ser muito comentada dentro das Alfândegas.
As nossas fontes indicaram que o provável substituto de Bule será
o actual Juíz-Conselheiro do Tribunal Administrativo, Barros dos
Santos. O "mt" apurou que a ministra Luísa Diogo contactou
recentemente o Dr Barros dos Santos, solicitando a sua
colaboração no processo de reforma das Alfândegas.
No seu último encontro com os jornalistas, na quinta-feira
passada, o PM, Pascoal Mocumbi, a uma pergunta do "mt" sobre
o assunto, negou comentar, remetendo-nos para a ministra Diogo.
Ninguém ainda nos avançou as razões da saída de Bule da
UTRA. Pedro Bule já foi alvo, em 1992, de um processo
disciplinar, que culminou com a sua exoneração do cargo de
Director Nacional das Alfândegas, por indicação do antigo
ministro das Finanças, Eneas Comiche, alega-damente devido a
"irregularidades na gestão" da instituição. Naquilo que algumas
fontes consideram de "estranho", Bule foi indicado, em 1996, para
a direcção da UTRA, a unidade governamental que coordena o
actual processo de restruturação das Alfândegas, a cargo da
firma britânica Crown Agents.
(da redacção)
Ungulani Ba ka Khosa:
ESTEPE
As páginas necrológicas
Há sete anos atrás, Cardoso foi ao meu serviço e convidou-me
para colaborar no então jovem jornal "mediaFAX". Pôs-me uma
condição: a tua opinião não deve transcender dois pequenos
parágrafos. Disse-lhe: Isso é impossível. Vivemos num país de
faladores e a escrita, por consequência, tende, por variadíssimas
razões, a transbordar o leito. Experimenta, disse-me. Pensei,
repensei, e acabei por aceitar o desafio. Com ele trabalhei durante
mais de cinco anos. E em sua homengem vai esta curtíssima
crónica com um pedido aos investigadores do assassinato: leiam
as páginas necrológicas e tentem encontrar os algozes no meio
das variadíssimas mensagens de condolências. Os assassinos são,
por vezes, os primeiros a chegar ao cemitério.
Paz a tua alma, Cardoso.
metical - arquivo 2000
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