Manifesto do Movimento Pela Paz e Cidadania
As cinco formas de violência
A morte violenta e injusta de, pelo menos, 44 mulheres, homens e jovens em Moma, Caia, Balama, Nampula, Montepuez e noutros
distritos, no dia 9 de Novembro, o assassinato de, pelo menos, 84 cidadãos na cela da esquadra de Montepuez nos dias 21 a 23 de Novembro e o assassinato do jornalista Carlos
Cardoso numa avenida de Maputo no dia 22 de Novembro, envolveram o país de luto, desânimo e amargura.
Organizações sócio-profissionais, associações empresariais, confissões religiosas de todas as denominações,
organizações não-governamentais, organizações comunitárias de base, instituições de ensino, académicos, entidades
várias e demais cidadãos, unidos pelo dever e pelo direito de participar na edificação de uma sociedade justa e democrática em Moçambique e
cientes de serem parte integrante nos esforços de construção da nação moçambicana juntam a sua voz para reclamarem o Restabelecimento da Paz e
a Efectivação da Cidadania em Moçambique.
É nosso direito reclamar pelo restabelecimento do clima de paz e é nosso dever exigir o pleno exercício da cidadania moçambicana.
A VIOLÊNCIA FÍSICA E MORAL
O sangrento mês de Novembro de 2000 foi, desde o fim da guerra, a mais forte manifestação de violência contra os direitos fundamentais consagrados na
Constituição. Não só a morte e o assassinato, mas também o terror e o medo, entraram em nossas casas adentro. Os direitos dos cidadãos foram
desumanamente violados. Aumenta a instabilidade social, os assaltos à mão armada são cada vez mais usuais, os roubos acontecem em toda a parte, a
associação ao crime organizado intensifica-se e a criminalidade instala-se como modo de vida entre a juventude. A violência ameaça o cidadão no seu
próprio direito à vida e à integridade física e moral.
A VIOLÊNCIA DAS PALAVRAS
Nos últimos anos, o discurso de reconciliação entre os irmãos da grande família moçambicana cedeu lugar ao discurso do ódio do tempo da
guerra. Voltaram a falar em inimigo para não ter de reconhecer erros, voltaram a aludir traição para justificar a falta de diálogo, voltaram a usar
vocabulário militar para provocar o ódio entre os cidadãos e voltaram a insinuar que todo o povo moçambicano tem de ter as mesmas concepções
políticas. A informação nem sempre é isenta e concebem-se acções sistemáticas de desinformação para manipular a
opinião pública. A violência ameaça o cidadão no seu próprio direito à liberdade de consciência.
A VIOLÊNCIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
As forças políticas organizadas foram-se antagonizando, as acusações mútuas multiplicam-se e recorrem a ameaças de guerra e de repressão
para fazer valer os seus intentos. O sentido de Pátria de Todos, paulatinamente, vai sendo substituído pelo sentido de Partido Político de todos.
O parlamento desagrega-se em questiúnculas partidárias entre bancadas e o Cidadão é, permanentemente, forçado a ter de se definir entre um ou outro lado
da contenda. Membros da classe política empenham-se na promoção dos seus interesses individuais e no reforço do estatuto de grupo para a
angariação de privilêgios e apropriação do erário público e dos recursos nacionais, violentando o princípio da igualidade de acesso
aos recursos por todos os cidadãos. Empresas e outras pessoas colectivas são coagidas a pactuar com a 'corrupção de influências' para sobreviver. A
violência ameaça o Cidadão no seu próprio direito a não se associar ou financiar os partidos políticos.
A VIOLÊNCIA DAS POLÍTICAS ECONÓMICAS
As medidas macro-económicas e as políticas sectoriais são, na maior parte das vezes, tomadas à revelia do Cidadão e dos agentes económicos
nacionais. O fosso entre os ricos e os pobres acentua-se e é cada vez maior o número dos miseravelmente pobres e cada vez menor o número dos honestamente ricos. O
país continua a contrair uma dívida externa sem que o cidadão seja auscultado, nem tão pouco informado, sobre o significado dos acordos que são
asssinados nas capitais dos países do Norte. Para os erros realizados, em matéria de política económica, são, continuamente, identificadas outros como
'bodes expiatórios' e as unidades produtivas afectadas não são indemnizadas pelos erro do Estado. A violência ameaça o cidadão nos seus
próprios direitos à informação e à propriedade.
A VIOLÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
Elementos das forças de ordem e segurança reprimem em lugar de protegerem o cidadão. Funcionários de repartições públicas chantageiam para
receberem o 'imposto de andamento' e há altos funcionários do Estado que não só pactuam como promovem a corrupção. As instituições
vocacionadas para a investigação sobre o cumprimento da legalidade atrasam, indefinidamente, a identificação dos culpados, arquivam sistematicamente os
processos e transferem, compulsivamente, a sua responsabilidade para o cidadão ao exigirem-lhe a apresentação de provas concretas e detalhadas, apesar dos
múltiplos indícios de conhecimento público.
O sistema judicial é dilacerado pela corrupção e a soberba instala- se entre muitos dos magistrados. A violência ameaça o cidadão no seu
próprio direito à defesa e à assistência jurídica pelo Estado.
O MOVIMENTO PELA PAZ E CIDADANIA RECLAMA
Os direitos fundamentais estão sendo violados, os cidadãos não estão sendo informados, não têm acesso à defesa e o princípio da
tutela jurisdicional efectiva não está sendo aplicado. A cidadania está ameaçada. O Estado está em crise e a Comunidade Internacional mantém um
silêncio cúmplice face à deterioração da situação do país. Perante isto, o Movimento pela Paz e Cidadania reclama:
- A institucionalização da prestação de contas pelo Parlamento a representantes da sociedade civil;
- A institucionalização do diálogo entre o governo e os vários parceiros do desenvolvimento aos níveis
nacional, provincial e distrital;
- A participação nas comissões de inquérito sobre violação dos direitos constitucionais;
- O diálogo regular e transparente entre o Chefe do Estado e partidos políticos;
- A reforma imediata do sistema judiciário;
- O fim da partidarização dos órgãos do Estado e da desinformação;
- Um programa concreto de combate generalizado à corrupção e à criminalidade."
metical - arquivo 2000
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