Editorial A Interpol está a investigar?
(Maputo) Quase um mês após o bárbaro assassinato do nosso
editor, Carlos Cardoso, a Polícia tem um processo aparentemente
oco, nulo, com umas pouquíssimas 4 a 5 páginas. E, garantem-nos
fontes bem colocadas, ninguém está a levar o caso a sério. O que
é que descobrimos, quase um mês depois? Descobrimos que o
Presidente da República Joaquim Chissano, esteja em Maputo, em
Londres ou em Palermo, encontrou já uma frase mágica para
sacudir a pressão dos jornalistas e da sociedade civil sobre o
assunto: "contamos com a ajuda da Interpol e da Polícia regional".
Da Interpol? Que Interpol? O caso está a ser "investigado" no
terreno apenas por agentes da Polícia de Investigação Criminal
(PIC), famosa nos meios judiciais por causa da sua incapacidade
técnica e manifesta falta de competência. Quantos processos
importantes, desde o caso haxixe à saga de McBride, não
passaram nos tribunais porque a instrução preparatória não
conseguiu reunir matéria incriminatória suficiente.
E o relato que nos fazem das capacidades da PIC é aterrador:
esta Polícia, para além de não ter meios de investigação
apropriados, laboratórios e pessoal tecnicamente competente, está
cheia de agentes com ligações criminosas. Sabe-se que alguns
deles, a quem foi entregue o caso no início, foram afastados
devido às suas ligações. A investigação sobre a morte do nosso
editor está entregue a este triste cenário.
A Interpol? Esta famigerada Polícia Internacional funciona em
Moçambique num gabinetezinho da Polícia local. Não opera de
forma independente e, grosso modo, funciona com base, pelo
menos neste caso, nos elementos recolhidos pelos agentes da
PIC. É certo que as embaixadas têm algumas unidades da
Interpol, mas elas não estão a trabalhar no caso. E cá no "mt"
ainda não fomos abordados por "agentes da Interpol", embora já
tenham cá estado a PIC e o SISE (Serviço de Informação e
Segurança do Estado).
A forma apaixonada como Chissano e Pascoal Mocumbi falam do
papel da Interpol nas supostas investigações tem remetido a
opinião pública para a ideia de que a Interpol está mesmo no
terreno. Nos meios ligados à investigação criminal em
Moçambique, o governo é agora vituperado quando fala em
Interpol pois sabe-se que o processo ainda não tem nada e que
parece não haver vontade de se investigar este caso. E sabe-se
dessa participação nula da tal Interpol. Nesses meios aconselha-se até que Chissano e Mocumbi, antes de voltarem a falar em Interpol, se aproximem da PIC e do processo para darem conta da sua vacuidade.
A fragilidade do trabalho da PIC esteve patente logo no dia do
crime. O local do crime não foi tratado dentro das mais
elementares práticas policiais. A vítima e a viatura não estiveram
vedadas para se permitir a recolha de dados, medições,
fotografias, marcas, pistas, que proporcionariam uma
reconstituição do crime. A viatura e a vítima estiveram rodeadas
de gente durante vários minutos. A Polícia não procurou logo no
local prováveis testemunhas oculares. Nem foi a Polícia que
transportou a vítima para a morgue. Resta-nos saber até que
ponto é que as informações colhidas pelo Serviço de Informação
e Segurança do Estado (SISE) poderão contribuir para se
desvendar o crime. Mas o comportamento do governo neste caso
tem de mudar. É de extrema utilidade que o governo deixe de
fingir e comece a tratar o caso dentro da maior seriedade exigida.
Uma investigação que encontre matéria incriminatória fiável para
que um processo judicial tenha pernas para andar. metical - arquivo 2000 |