Moçambique on-line


metical de 19 de Dezembro 2000


Editorial
A Interpol está a investigar?

(Maputo) Quase um mês após o bárbaro assassinato do nosso editor, Carlos Cardoso, a Polícia tem um processo aparentemente oco, nulo, com umas pouquíssimas 4 a 5 páginas. E, garantem-nos fontes bem colocadas, ninguém está a levar o caso a sério. O que é que descobrimos, quase um mês depois? Descobrimos que o Presidente da República Joaquim Chissano, esteja em Maputo, em Londres ou em Palermo, encontrou já uma frase mágica para sacudir a pressão dos jornalistas e da sociedade civil sobre o assunto: "contamos com a ajuda da Interpol e da Polícia regional".

Da Interpol? Que Interpol? O caso está a ser "investigado" no terreno apenas por agentes da Polícia de Investigação Criminal (PIC), famosa nos meios judiciais por causa da sua incapacidade técnica e manifesta falta de competência. Quantos processos importantes, desde o caso haxixe à saga de McBride, não passaram nos tribunais porque a instrução preparatória não conseguiu reunir matéria incriminatória suficiente.

E o relato que nos fazem das capacidades da PIC é aterrador: esta Polícia, para além de não ter meios de investigação apropriados, laboratórios e pessoal tecnicamente competente, está cheia de agentes com ligações criminosas. Sabe-se que alguns deles, a quem foi entregue o caso no início, foram afastados devido às suas ligações. A investigação sobre a morte do nosso editor está entregue a este triste cenário.

A Interpol? Esta famigerada Polícia Internacional funciona em Moçambique num gabinetezinho da Polícia local. Não opera de forma independente e, grosso modo, funciona com base, pelo menos neste caso, nos elementos recolhidos pelos agentes da PIC. É certo que as embaixadas têm algumas unidades da Interpol, mas elas não estão a trabalhar no caso. E cá no "mt" ainda não fomos abordados por "agentes da Interpol", embora já tenham cá estado a PIC e o SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado).

A forma apaixonada como Chissano e Pascoal Mocumbi falam do papel da Interpol nas supostas investigações tem remetido a opinião pública para a ideia de que a Interpol está mesmo no terreno. Nos meios ligados à investigação criminal em Moçambique, o governo é agora vituperado quando fala em Interpol pois sabe-se que o processo ainda não tem nada e que parece não haver vontade de se investigar este caso. E sabe-se dessa participação nula da tal Interpol. Nesses meios aconselha-se até que Chissano e Mocumbi, antes de voltarem a falar em Interpol, se aproximem da PIC e do processo para darem conta da sua vacuidade.

A fragilidade do trabalho da PIC esteve patente logo no dia do crime. O local do crime não foi tratado dentro das mais elementares práticas policiais. A vítima e a viatura não estiveram vedadas para se permitir a recolha de dados, medições, fotografias, marcas, pistas, que proporcionariam uma reconstituição do crime. A viatura e a vítima estiveram rodeadas de gente durante vários minutos. A Polícia não procurou logo no local prováveis testemunhas oculares. Nem foi a Polícia que transportou a vítima para a morgue. Resta-nos saber até que ponto é que as informações colhidas pelo Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) poderão contribuir para se desvendar o crime. Mas o comportamento do governo neste caso tem de mudar. É de extrema utilidade que o governo deixe de fingir e comece a tratar o caso dentro da maior seriedade exigida. Uma investigação que encontre matéria incriminatória fiável para que um processo judicial tenha pernas para andar.
 


metical - arquivo 2000


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