“mt” divulga relatório inédito da LDH Relato das mortes de Balama (Maputo) Montepuez não foi uma ilha no cenário de tragédia que a província de Cabo Delgado viveu em Novembro. As mortes na cadeia não foram as únicas. Em Balama, um distrito localizado a 60 kms a sudeste de Montepuez, Novembro também foi negro, mas o que aconteceu neste distrito nunca foi relatado ao pormenor. O “mt” publica aqui algumas passagens de um relatório sobre os acontecimentos de Balama, datado de 26 de Dezembro de 2000, da autoria da Liga dos Direitos Humanos (LDH): “Houve de facto mortos em Balama, à semelhança de Montepuez, com a diferença de que estas não ocorreram na prisão. Foram mortes à balas e facadas, infligidas por polícias. Os dados em posse da Liga, que resultam de um inquérito no terreno (em que participaram as partes envolvidas, nomeadamente membros da Renamo, da Frelimo, da sociedade civil e testemunhas oculares), convergem para a existência de 9 mortos e 15 feridos, resultado dos tumultos de 9 de Novembro. O governo e a Polícia locais falaram em 5 mortos e 15 feridos. Houve efectivamente perseguições e ameaças feitas pelas autoridades policiais aos simpatizantes da Renamo nas suas machambas e aldeias, isto em conivência com os secretários dos bairros (que produziram uma lista negra para o efeito) e que resultaram em 1 morto por suicídio, em consequência directa desses actos (o régulo Inkhawan, do povoado de Nacade, que recebeu uma mensagem do Administrador cujo teor era o seguinte: ‘será melhor que caves a tua própria sepultura e enterra-te, pois eu venho à tua aldeia com a Polícia, e vais ver’); várias detenções arbitrárias pela calada da noite (o régulo Kotope e muitos outros); fugitivos para a Tanzania, inclusive de famílias inteiras e régulos (régulos Metota, Chipembe e sua família), tendo alguns regressado, mas estando outros ainda fugitivos. Há notícias de aldeias fantasmas (abandonadas), como a aldeia de Muaphe, a primeira que se encontra para quem sai de Montepuez à Balama, por estrada. As pessoas abandonaram-na com o receio de serem perseguidas e mortas. (...) Em Balama, o primeiro contacto realizado foi na aldeia de Ntanda, do régulo Metota, que regressara, havia dias, da fuga. Estavam presentes o régulo e seu assistente, o senhor Alide Marawe Khwaiaia, que nos contaram os acontecimentos da seguinte maneira. A manifestação teve o aval do governo distrital e tinha como principal objectivo reivindicar pacificamente os supostos votos roubados nas últimas eleições gerais de 1999. Deste modo, a Renamo convocou os seus membros e simpatizantes das aldeias de Ntanda, Marimba, Ngonane, Nampaiha, Muaphe, Kotope, Ntente, Phirira, Nicole, Nangocho, Nacaca, Mavala e Nacade, que aderiram em massa à manifestação. Ela deveria obedecer a seguinte rota: sede da Renato, local das reuniões, escola secundária e, finalmente, a sede novamente, para aqui fazerem a avaliação da mesma. Depois de terem iniciado, e quando já iam em direcção à escola secundária, sempre a cantarem que tinham vencido as eleições e que iam empossar o administrador deles, o Albino (adjunto delegado distrital da Renamo, morto nesse dia). (Note-se que para se atingir a escola secundária deve-se passar por uma rua frontal ao Comando da PRM, Administração do Distrito e Palácio do administrador). Quando já haviam ultrapassado uns 20 metros o Comando da PRM, eis que os polícias mandam retroceder uma parte dos manifestantes que passavam ainda defronte do Comando, proibindo-os de continuarem por aquela rua. Como os manifestantes continuassem a marchar, não acatando as ordens, os polícias abriram fogo, sob as ordens do substituto do comandante, o Chefe das Operações, Sr Acácio Mateus, que gritava: ‘matem-me esses’. Foram mortas 6 pessoas e ficaram feridas 15. Destes mortos, 4 tiveram morte imediata e os outros 2 ficaram gravemente feridos (o Afate e o Sania que viviam no povoado de Ntente), tendo os polícias acabado com a vida deles por meio de facadas na barriga e no peito. Os polícias responsáveis por esse acto bárbaro são o Whania, o Issufo e o Momade. Refira-se que a Polícia disparou 15 a 25 minutos sem cessar. No dia 8 de Novembro, a Srª Helena Lindine, que foi antiga combatente e é membro do Partido Frelimo, trabalhando na sede do partido em Balama, dirigiu-se à casa do régulo Metota e perguntou à esposa deste nos seguintes termos: ‘O seu marido vai à manifestação amanhã?’ A esposa do régulo respondeu que não sabia. ‘Se você não sabe seria bom que o avisasses, para não ir à manifestação pois eu deixei os polícias agora a prepararem as armas. O administrador já tem conhecimento. Amanhã vão morrer muitas pessoas da Renamo; aquele que escapar será por sorte dele, mas amanhã haverá mortes’. (...) Os secretários dos bairros cometem desmandos a seu bel prazer, aterrorizando os aldeões com ameaças de que vão ser exterminados por pertencerem à oposição, e instando-os a entregarem obrigatoriamente os cartões do partido de que são simpatizantes. Eles foram os responsáveis pelas famosas listas negras de que a Polícia se serviu para perseguir as vítimas nas machambas e aldeias pela calada da noite. Algumas pessoas escaparam da morte porque fugiram para o mato ou para o desterro na Tanzania. Consta que os que foram presos não eram os mais indicados porque os primeiros da lista fugiram. Alguns secretários
tinham a tarefa tão enraizada, que até denunciavam os próprios familiares, como o caso do régulo Kotope, que foi denunciado pelo sobrinho (secretário do
bairro), e foi recolhido pela calada da noite e transferido para Montepuez. Até nem poupavam as mulheres. Por exemplo, a rainha da aldeia de Kotope, Assilina Paquia, teve que fugir
para escapar. Quando a LDH chegou à aldeia de Kotope, apenas encontrou crianças e anciãos. Os outros tinham fugido para a Tanzania. Consta que na sede do partido
Frelimo foram amontoados centenas de cartões de membros da Renamo, arrancados nessa campanha porta à porta. (...)” metical - arquivo 2001 |