Moçambique on-line

metical de 21 de Fevereiro 2001


Cronologia da não investigação

O “mt” ocupa a maioria das páginas da edição de hoje com um texto cronológico, que dá conta de como as autoridades moçambicanas ainda não investigaram o assassinato do jornalista Carlos Cardoso, editor e proprietário deste jornal, brutalmente assassinado no passado dia 22 de Novembro, faz amanhã três meses.
A cronologia é da autoria da conhecida jurista Lucinda Cruz, advogada do assistente do processo. Três meses depois do assassinato de uma voz importantíssima para o país, os moçambicanos ainda não foram informados sobre o curso das investigações, fazendo-nos crer, cada dia que passa, que nada de vulto está a ser feito para se descobrir e julgar os executores e os autores morais do crime.

 

22 de Novembro de 2000

Cerca das 18h45: Carlos Cardoso é assassinado por tiros de arma de fogo, quando seguia, dentro da sua viatura, para casa, saído do seu local de trabalho, na Avenida Mártires da Machava, frente aos portões grandes do Parque dos Continuadores. Os assassinos ferem, também, o motorista da viatura.
Cerca das 18h50: A viatura de Carlos Cardoso, imobilizada no meio da Av. Mártires da Machava, é imediatamente rodeada de várias pessoas.
Cerca das 19h00: Chegam ao local do crime duas viaturas da Polícia da República de Moçambique (PRM), uma de caixa aberta com cerca de 6 agentes lá dentro e outra ligeira com 4 agentes. Saem das viaturas 2 ou 3 agentes que não perguntam nada a ninguém, não impedem que as pessoas continuem a rodear e tocar na viatura, não protegem o local nem a viatura e não se vê que chamem o comando da Polícia para dar conta da ocorrência.

O que devia ter sido feito, de acordo com a lei:
A Polícia presente no local do crime devia, imediatamente, ter comunicado à PIC ou ao Ministério Público a ocorrência da infracção, bem como ter chamado os serviços médicos requisitando uma ambulância e um médico legista. Enquanto aqueles não chegassem, devia: proteger a viatura e o local, impedindo que as pessoas deles se acercassem; impedir que as pessoas presentes no local do crime, se afastassem; identificar, imediatamente, todas as pessoas ali presentes e saber as respectivas formas de contacto (telefone, local de residência ou trabalho).
A PIC (Polícia de Investigação Criminal), que devia ter seguido imediatamente para o local do crime, deveria:
ter tirado fotografias à viatura e ao local; ter analisado o local do crime (a estrada e o passeio mais próximo da viatura) para tentar encontrar vestígios do crime (por exemplo, cartuchos de balas, etc.); e ter acondicionado adequadamente os mesmos, após terem sido devidamente identificados.
O Instituto de Medicina Legal ou as autoridades policiais deveriam:
ter examinado o cadáver na própria viatura onde se encontrava; ter analisado a sua posição e sua relação com os objectos vizinhos; ter identificado e fotografado o morto e retirado as suas impressões digitais; ter removido o cadáver para a morgue.

Cerca das 19h10: Duas pessoas retiram o motorista, colocam-no dentro da carrinha da Polícia que sai em direcção ao hospital, com todos os agentes que trazia. No local do crime, uma pessoa toma a iniciativa (?) e entra dentro da viatura e condu-la para o Banco de Socorros do Hospital, precedida da viatura ligeira da Polícia. No local não fica nenhum agente da polícia. A viatura chega ao Banco de Socorros onde se constata que Carlos Cardoso está morto. A viatura, com Carlos Cardoso morto lá dentro, é então conduzida por um agente da Polícia (?) para a morgue, tomando sucessivamente a Av. Eduardo Mondlane, Tomás Nduda, Agostinho Neto. Segundo informações oculares, nenhuma viatura da Polícia precede ou segue a viatura.

O que devia ter sido feito, de acordo com a lei:
A viatura só podia ser retirada do local do crime depois de feitas todas as fotografias e diligências referidas anteriormente; O morto devia ter sido retirado da viatura no local do crime e transportado para a morgue em viatura da Polícia ou em ambulância devidamente sinalizada, para depois a viatura poder ser novamente analisada e fotografada, ainda no local do crime.

A viatura chega à morgue onde é recebida por um funcionário do Hospital. Este esvazia os bolsos do vestuário de Carlos Cardoso, tira-lhe o relógio e entrega-o, bem como o conteúdo dos bolsos, ao agente da Polícia. Que se saiba, não é assinado nenhum auto, nem se sabe como e se foi feita a identificação oficial do corpo.

O que devia ter sido feito, de acordo com a lei:
Proceder-se à identificação oficial do morto, com a identificação da pessoa que a fez, formal e oficialmente;
Fazer-se uma relação do vestuário e de todos os objectos que o acompanhavam.

Dia 22 de Novembro e madrugada do dia 23 de Novembro
São ouvidos oral e informalmente os jornalistas do jornal “mt” que estavam naquela noite e madrugada nas instalações do jornal. Estes fornecem à Polícia uma matrícula, um número de telefone celular e três nomes de pessoas, como podendo estar relacionado com o crime.

Dia 23 de Novembro de manhã cedo
Agentes da Polícia deslocam-se ao local do crime e tiram fotografias e analisam o local que, entretanto, tinha estado sem qualquer guarda ou protecção desde o momento do crime até àquela hora.

Dia 23 de Novembro
É feita a autópsia de Carlos Cardoso e o relatório é elaborado manualmente e assinado pelo médico legista.

O que devia ter sido feito, de acordo com a lei:
Remeter imediatamente às autoridades policiais o relatório do exame cadavérico e da autópsia.

Dia 28 de Novembro
É ouvida a viúva de Carlos Cardoso.

Dia 6 de Dezembro - 15 dias depois do assassinato
É ouvido, em declarações, o primeiro jornalista do “mt”.

Dia 7 de Dezembro - 16 dias depois do assassinato
É ouvido, pela primeira vez, um dos guardas da empresa de protecção, em serviço no dia do assassinato.

Dia 8 de Dezembro - 17 dias depois do assassinato
É ouvido, pela primeira vez, outro dos guardas da empresa de protecção do Jornal “mt”.

Entre os dias 8 e 15 de Dezembro de 2000
É solicitado à Polícia, o pagamento do relatório de autópsia para que o mesmo possa ser entregue a esta.

Dia 15 de Dezembro de 2000 – 24 dias após o assassinato
É ouvido, formalmente em declarações, o motorista da viatura.

Dia 22 de Dezembro de 2000 – 30 dias após o assassinato
É ouvido o segundo jornalista do “mt”.

Dia 28 de Dezembro de 2000 – 36 dias após o assassinato
É ouvido o terceiro jornalista do “mt”.
É requerida a consulta do processo, pelo advogado do assistente.

Dia 29 de Dezembro de 2000 – 37 dias após o assassinato
É ouvido o quarto jornalista do “mt”.
A PIC requisita oficialmente que o motorista seja sujeito a exame médico-legal. Quando este se dirige ao Instituto de Medicina Legal é informado que o médico que fará o exame só regressa depois do dia 10 de Janeiro e que é necessário pagar primeiro o exame cujo custo é de 600.000,00 MT (seiscentos mil meticais).

Dia 3 de Janeiro de 2001 – 42 dias após o assassinato
Dois jornalistas do “mt” são convidados a tentar identificar alguém que poderá ser uma das pessoas que iam, suspeitosamente, comprar o jornal “mt” todos os dias aos escritórios do jornal e sobre quem tinham sido dadas possíveis pistas pelos jornalistas do “mt” na noite do dia 22 de Novembro e madrugada do dia 23.
Ninguém é identificado.

Dia 15 de Janeiro de 2001 – 54 dias após o assassinato
A Procuradoria Geral da República, na posse do conhecimento de que o Instituto de Medicina Legal estava a exigir o pagamento prévio para proceder à entrega do relatório de autópsia, não procede à sua requisição formal, por escrito, o que obrigaria o Instituto a proceder à sua entrega imediata sob pena de cometimento do crime de desobediência à autoridade judicial e do crime de obstrução à justiça.

Dia 16 de Janeiro de 2001 – 55 dias após o assassinato
O laudo pericial da autópsia é dactilografado e assinado.

Dia 18 de Janeiro de 2001 – 57 dias após o assassinato
O motorista é sujeito a exame médico legal, depois de pagar a quantia solicitada (600.000,00 MT).
O relatório do exame médico não é enviado oficiosamente à PIC.

Dia 23 de Janeiro de 2001 – 62 dias após o assassinato
É ouvido, pela primeira vez, o irmão de Carlos Cardoso.

Dia 25 de Janeiro de 2001 – 64 dias após o assassinato
O Instituto de Medicina Legal informa que, até àquela data, nenhuma autoridade policial ou judicial pretendeu ouvir o médico legista sobre os resultados da autópsia. O Instituto de Medicina Legal informa publicamente que o relatório de autópsia está pronto e assinado desde o dia 16 de Janeiro e que o relatório do exame médico legal do motorista está pronto e assinado desde o dia 18 de Janeiro e que se aguarda que alguém lá vá levantá-lo.
A Polícia informa publicamente que o trabalho de recolha de informações no terreno chegara ao fim e que agora iam passar à análise da informação recolhida, motivo pelo qual se justificava a redução do número de agentes envolvidos no caso.

Dia 29 de Janeiro de 2001 – 68 dias após o assassinato
O relatório do exame médico legal ao motorista é levantado pelo advogado do assistente que o entrega, oficialmente, à PIC, no mesmo dia.

Dia 30 de Janeiro de 2001 – 69 dias após o assassinato
É ouvida, pela primeira vez, a pessoa que esteve com Carlos Cardoso, no dia do crime, no jornal “mt”, momentos antes do crime acontecer e que saiu ao mesmo tempo que ele das instalações do jornal.

Dia 12 de Fevereiro de 2001
Impossibilitado, na prática, de consultar o processo, o advogado do assistente no processo, requer, oficialmente, várias diligências, para o caso de ainda não terem sido feitas.

Dia 12 de Fevereiro de 2001 – 47 dias depois de ter sido requerido
O advogado do assistente no processo é informado oralmente, pela PIC, que o Ministério Público não autorizou a consulta do processo.

Dia 14 de Fevereiro de 2001
O advogado do assistente no processo solicita a consulta do relatório de autópsia, auto que não está sob segredo de justiça.

Dia 19 de Fevereiro de 2001
Até dia 19 de Fevereiro de 2001, inclusive, o advogado do assistente não foi notificado, oficialmente, que o seu requerimento de consulta do processo tinha sido indeferido. Não foi informado, nem oralmente, nem por escrito, se as diligências requeridas foram efectuadas ou indeferidas. Não foi informado se pode ou não consultar o relatório de autópsia.

O que ainda podia ter sido feito, imediatamente, após o cometimento do crime e que se saiba, até hoje, ainda não foi feito:
pesquisa na Conservatória do Registo de Automóveis sobre as viaturas que correspondem à descrição feita, imediatamente, pelas testemunhas oculares presentes no local do crime e que foram relatadas nos órgãos de informação;
pesquisa junto das empresas de aluguer de viaturas para verificar se houve viaturas correspondentes à descrição feita, alugadas nos dias próximos do cometimento do crime;
retrato robô dos assassinos e sua divulgação;
retrato robô da pessoa e sua divulgação, que foi diariamente, durante quase dois meses, ao jornal “mt” comprar o jornal, e que desde a sexta-feira anterior ao cometimento do crime, nunca mais lá foi;
pesquisa na Conservatória de Registo de Automóveis sobre a matrícula que foi dada à polícia como estando com a pessoa acima mencionada;
audição de todas as pessoas que vivem e trabalham nas redondezas do local onde o crime foi cometido;
a identificação da ou das possíveis armas do crime pelo exame balístico tanto pelas balas encontradas no corpo da vítima como, eventualmente, dentro do carro e, consequentemente o seu proprietário ou seu responsável ou conclusão de que não era uma arma registada nos registos de armas do país;
a reconstituição do crime, com a participação do motorista.

Dia 22 de Fevereiro de 2001- 92 dias após o assassinato
Nenhuma prisão foi feita. Não há nenhuma informação sobre o ponto de situação da investigação criminal.

As referências a obrigações legais baseiam-se no constante dos seguintes diplomas:
Código de Processo Penal
Decreto nº 5023 em vigor em Moçambique desde 1968
Decreto Lei nº 35 007 de 13 de Outubro de 1945
Decreto nº 5068 em vigor em Moçambique desde 1919
Decreto de 8 de Fevereiro de 1900
Lei de 17 de Agosto de 1899

Lucinda Cruz – advogada do Assistente no processo
 


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