Moçambique on-line

metical de 19 de Março 2001


Caso Carlos Cardoso:
Uma investigação, duas tendências

A tendência A argumenta que os irmãos Satar e Ramaya são os mandantes do crime e devem ser condenados; a tendência B tem algumas reservas e defende mais investigação

(Maputo) As investigações ao assassinato do editor do “mt”, Carlos Cardoso, estão a suscitar uma guerra nos bastidores que deverá marcar o curso da instrução preparatória até ao julgamento do indiciados detidos. A crer nos debates que se fazem nos bastidores, o caso está a ser polarizado entre duas tendências que insistem em interpretar os factos de maneiras distintas.

A primeira tendência, que chamaremos de tendência A, é aquela que, tal como a Polícia e a classe política, chegou já à conclusão de que o grupo de Anibalzinho foi o executor do crime e que os arguidos do caso BCM (irmãos Satar e Ramaya) foram os mandantes. Para esta tendência, estes arguidos devem ser julgados e condenados, pois foram eles os mandantes. Sem ter que se entrar naquilo que são a provas das ligações entre estes arguidos e o grupo de Anibalzinho, esta tendência argumenta que havia (sempre houve) razão suficiente para aqueles arguidos mandarem eliminar Carlos Cardoso; Cardoso era o único jornalista que continuava a escrever sobre a fraude, defendendo, com veemência, a realização do tão esperado julgamento; para além dos seus incisivos editoriais, Carlos Cardoso escreveu um artigo (“Notas Biográficas do Primeiro Cheque da Fraude”) que espelha como os arguidos orquestraram a fraude, artigo esse fulminante e indefensável para os arguidos; foi Cardoso quem contribuiu significativamente para a remoção da anterior Procuradoria Geral da República, onde havia alegadamente procuradores com “ligações claras” aos arguidos, procuradores esses que permitiram o arrastar do processo até este ser acusado sem se terem realizadas diligências que fundamentariam uma condenação dos arguidos; os arguidos escolheram Cardoso como um alvo a abater também por causa da dimensão da sua personalidade; a sua morte assustaria a tudo e a todos e colocaria um travão ao actual processo de remoralização do sector judicial. (veja-se o atentado contra o Procurador Albino Macamo).

A tendência A, por causa das suas convicções, crê ser inútil estar a explorar outras pistas que não esta; e crê que a menção, que circula em Moçambique, de que o filho de um alto dirigente do Estado poderá estar envolvido no assassinato de Carlos Cardoso, não passa de uma contra-informação. Uma contra-informação lançada alegadamente logo depois do crime pelos arguidos do fraude ao BCM justamente para não se investigar o caso.

Esta tendência está agora a explorar as ligações entre Anibalzinho e os arguidos, e as ligações destes dois grupos com o procurador fugitivo. A classe política é madrinha desta tendência uma vez que a detenção dos suspeitos foi uma resposta, à sociedade civil, dando mostras de que as autoridades estão a trabalhar e o crime contra Carlos Cardoso não vai ficar por desvendar. A detenção dos suspeitos é prova de que as declarações do Presidente Joaquim Chissano e do Primeiro Ministro Pascoal Mocumbi segundo as quais o Governo faria tudo por tudo para descobrir os executores e os mandantes não ficou em letra morta. O Governo espera, aliás, que as pressões da sociedade civil, nacional e estrangeira (incluindo doadores) abrande. E isso parece estar a ser ponderado, sobretudo lá fora.

Em suma, a tendência A está agora a preparar-se para demonstrar que foram os arguidos no caso BCM que deram ordens para assassinar Carlos Cardoso. A tendência A argumenta ainda que, sendo mandantes, os arguidos do caso BCM não pensaram em fugir do país pois continuavam a acreditar na sua “impunidade”, para a qual terão gasto vários milhares de USD.

Mas existe uma tendência contrária, a que chamaremos de tendência B. Esta tendência aplaude, como todos, as detenções realizadas pois estas simbolizam algum trabalho por parte das autoridades. Mas a tendência B tem debitado muitas reservas quanto às detenções, principalmente a dos suspeitos mandantes. Esta tendência não quer, fundamentalmente, que se pare de investigar, que não se explore outras pistas. Esta tendência crê que os arguidos do BCM podem estar a ser utilizados como “bode expiatório”, até prova em contrário. É que, argumenta a tendência B, incriminar os irmãos Satar e Ramaya pela morte de Carlos Cardoso encaixa facilmente como uma luva na mão.

Por causa do seu conhecido comportamento e porque Cardoso andava a escrever sobre a fraude ao BCM, a sociedade facilmente perceberá que foram eles os mandantes. Porque é enorme a pressão sobre o Governo - das sociedades civis e de alguns governos doadores - era de extrema urgência sacrificar- se alguém, encontrando-se então os arguidos do BCM. Mas a tendência B argumenta que esta possibilidade é curiosa demais. É curiosa pois, sobre o caso BCM, Cardoso já tinha escrito quase tudo e, se fosse para eliminá-lo, isso tinha de ocorrer há muito tempo; e também é curiosa pois a última coisa que restava a Cardoso quanto ao BCM era escrever editoriais. Por outro lado, porque é que os arguidos do caso BCM não fugiram do país, sendo eles os mandantes e sabendo que Anibalzinho e companhia tinham já sido detidos?

Esta tendência argumenta, aliás, que depois da fraude ao BCM, Carlos Cardoso envolvera-se em muitas outras causas jornalísticas complicadas, como por exemplo as constantes investigações aos ladrões dos dinheiros do Estado. Por isso é que esta tendência está ansiosa por saber quais são as provas incriminatórias contra os arguidos do caso BCM.

A tendência B defende sobretudo que haja mais investigação, até às últimas consequências. Defende que a detenção dos arguidos do caso BCM não pode ser pretexto para evitar que se investigue sobre outras pistas, como a menção ao filho de um alto dirigente do Estado. Mesmo que num eventual julgamento os arguidos do caso BCM venha a ser considerados culpados, esta tendência B parece que não ficará satisfeita se as investigações não visarem uma alta figura política. Esta tendência vê, agora, com a estranheza, demasiada celeridade nas investigações. E defende que a pressão da sociedade civil nacional e internacional deve continuar. Será, pois, crucial nos próximos dias saber se a Polícia continuará ou não a seguir outras pistas.
(Marcelo Mosse)


metical - arquivo 2001


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