Moçambique on-line

metical nº 1075 de 19 de Setembro de 2001


Matando a galinha dos ovos de ouro (2)
A Banca pós-Samora

Em 1986, a guerra e a pressão dos doadores obrigaram o governo a liberalizar a economia. Em Abril de 1986 Abdul Magid Osman passou a Ministro das Finanças e Eneas da Conceição Comiche foi designado Governador do Banco de Moçambique (BdM). Em 19 de Outubro de 1986, Samora Machel foi morto. A 14 de Janeiro de 1987 Moçambique introduziu o Programa de Reabilitação Económica, ou PRE.

Abdul Magid Osman disse em 1990 que "Moçambique precisa de uma elite de empresários". E a velha elite socialista acreditou que devia ser ajudada a tornar-se a nova elite capitalista.

O PRE significou uma viragem para uma banca mais tradicional. Em 1987 o governo reconheceu 34% do portfolio do BdM - correspondendo a 40,6 mil milhões de Mt (correspondendo na altura a cerca de 160 milhões de US$) como empréstimos a fundo perdido das empresas públicas. Mas a guerra em curso significava que o crédito bancário continuava a ser importante para manter as empresas a funcionar. José Miguel Sequeira Braga, administrador no Banco Popular de Desenvolvimento (BPD) até se reformar em 1995, disse "o governo deu instruções para se injectar capital nestas empresas para lhes permitir continuar a funcionar e evitar o despedimento de dezenas de milhar de trabalhadores".

Metade dos empréstimos do BPD não seriam reembolsados mas Sequeira Braga fez notar que "a má situação económica e financeira de praticamente todas as empresas, decorrente da guerra, que resultou na acumulação de dívidas para com o banco; a injecção e/ou aquisição de capital em empresas com dificuldades financeiras, por orientação do Governo, para permitir a continuação do seu funcionamento e impedir o despedimento de trabalhadores (dezenas de milhar). Na mesma situação ou mesmo pior estavam muitos bancos dos países europeus nos anos logo após a II Grande Guerra."

Qualquer país - seja capitalista ou socialista - apoia os empresários da sua preferência. Num Estado de planeamento centralizado estava certo canalizar o dinheiro de acordo com as directivas do plano.

Durante a guerra era essencial usar o dinheiro dos bancos para manter a economia a funcionar. Num país hierarquizado como Moçambique, qualquer funcionário bancário seguiria as instruções do Presidente. E na nova economia de mercado o sistema bancário era essencial para promover empresas e negócios moçambicanos. Tudo isto levou a empréstimos que poderiam não ser honrados e todavia não se devem considerar "corruptos".

Mas a transição para a economia de mercado levou a práticas cada vez mais questionáveis. Em 1988 a Caixa de Crédito Agrario e de Desenvolvimento Rural (CCADR) usou dinheiro dos fundos de contrapartida dos doadores para dar "empréstimos" a militares e membros do aparelho partidário, sabendo de antemão que os empréstimos não eram para ser pagos pelos beneficiários. A CCADR era gerida pelo BPD.

A privatização tinha começado; os bancos emprestaram dinheiro a empresários moçambicanos para comprar e reabilitar companhias estatais - e para os carros de luxo e as viagens ao estrangeiro que a nova elite exigia. O Ministro das Finanças, Magid Osman, avisava em 1990 contra "a actual tendência que leva à criação de uma classe baseada em negócios dúbios e que exige várias gratificações e protecção do Estado". Funcionários bancários começavam a aprovar empréstimos em troca de comissões de 10%, sabendo que os empréstimos nunca seriam pagos".

Mesmo em 1986 havia já corrupção significativa entre os militares e ao mesmo tempo os comerciantes que tinham acumulado riqueza durante os dias da candonga se tornavam cada vez mais visivelmente poderosos. Uns tantos funcionários seniores do BdM eram corruptos e começaram a apoiar famílias de origem asiática nos seus negócios ilegais em divisas. Comerciantes houve que não se importaram de ser vistos a ir a casa de um alto funcionário do BdM com sacos de notas de Rand.

Um melhor sistema de registo teria permitido apanhar alguma desta má conduta mas qualquer melhoria no sentido da eficiência era bloqueada por pessoas dentro dos bancos que precisavam da cobertura dos antigos sistemas.

Com a "viragem ao Ocidente", a ajuda duplicou de 359 milhões de US$ em 1985 para 710 milhões em 1987. Havia corrupção a altos níveis em Ministérios e Secretarias de Estado. No começo dos anos 90, pelo menos duas figuras séniores da "nomenclatura" local tinham contas no estrangeiro superiores a 3 milhões de US$. E no final dos anos 80 falava-se de pessoas próximas da presidência que já usavam dinheiro da ajuda para acumulação pessoal.

Banqueiros idóneos contaram-nos de pessoas próximas do Presidente dando instruções para que fossem dados empréstimos a certas companhias ou dinheiro vivo a certas pessoas.

O Projecto de Desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas do Banco Mundial, de 1989, emprestou 32,6 milhões de US$ através do Banco Comercial de Moçambique, BCM, do BdM. O avaliador do Banco Mundial, Luís Landau, escreveu em 1998 que 90% destes empréstimos nunca seriam pagos. E mais: "Diz-se que o Banco Mundial exerceu bastante pressão sobre a administração dos bancos para assegurar o desembolso expedito dos fundos do projecto; isso prejudicou ainda mais a qualidade do crédito dos sub-empréstimos." Por outras palavras, a pressão do Banco Mundial encorajou os empréstimos corruptos.

O Projecto de Reestruturação das Empresas Industriais do Banco Mundial era parecido e emprestou cerca de 29 milhões de US$ a companhias estatais privatizadas. Poucos empréstimos foram feitos até 1995 e o período de graça, antes de começar o reembolso do empréstimo, é de 5 a 7 anos, e por isso não é possível saber se estes empréstimos serão pagos. Mas como estão agora a começar a vencer, isso pode estar na origem das provisões adicionais para crédito mal parado pedidas pelo BCM e pelo Banco Austral.

Numa entrevista a 13 de Julho de 2001, James Coates, Representante Residente do Banco Mundial, disse que não tinha nenhuma lista de pessoas a quem o dinheiro do Banco tinha sido emprestado. Disse que isso era da inteira responsabilidade do BdM que é também responsável pelo reembolso ao Banco Mundial e esse sim, deve ter a lista.

Carlos Cardoso escreveu que a opinião pública via o BPD e o BCM como o "saco azul" para as altas entidades do governo e do partido Frelimo e fez notar que é convicção generalizada que os bancos financiaram a campanha para as eleições de 1994.
(Joseph Hanlon)

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