Matando a galinha dos ovos de ouro (8) (Maputo) Nos capítulos anteriores fizémos notar que o dinheiro não desaparecia apenas através de crédito indevidamente concedido, mas também através de fraudes contabilísticas. Em Moçambique, as contas transitórias, contas internas e contas de regularização, que cobrem as transacções entre balcões, entre os balcões e a sede e entre Moçambique e os bancos estrangeiros, constituíam os pontos fracos e estavam na origem da maior parte das fraudes. Num banco, tudo tem de estar contabilizado em qualquer lado. Quando a transacção ainda não está terminada, o seu registo vai para uma conta transitória. Cheques não liquidados, por exemplo, são registados numa conta transitória até que chegue a confirmação da transferência, altura em que o dinheiro é creditado na conta do cliente. Nos termos duma prática bancária normal, incluindo as regras do BCM, nenhum registo devia permanecer numa conta transitória por mais de 45 dias - o tempo mais que suficiente para ser remetido dos balcões mais afastados. E as auditorias anuais devem verificar se não há registos antigos pendentes em contas suspensas. A prática normal é fazer uma reconciliação em que várias contas e livros são comparados para garantir que estão todos em conformidade. Em Moçambique isto não era feito. Um artigo no Savana de 7 de Abril de 2000, subscrito por "um ex-director do BCM", diz que o BCM tinha biliões de Meticais, tanto em moeda nacional como em divisas, que ficavam em contas suspensas durante anos e que isto era uma estratégia dos funcionários do BCM e do BdM, assim como dos auditores, para fazer de conta que havia dinheiro quando não havia. Vários funcionários bancários com quem falámos confirmaram-nos que não eram feitas reconciliações. Dissemos em artigos anteriores que, no caso do Banco Austral, a KPMG sugeriu a anulação de 1,3 milhões de US$ nas contas internas referentes a transacções entre os balcões e a sede e de 1,7 milhões de US$ nas contas transitórias, e aparentemente acontecia o mesmo com o BPD e o Banco Austral. Contas transitórias e contas internas podem ser usadas para fraude desde que, intencionalmente, não se complete a transacção. Para a famosa fraude dos 144 mil milhões de Mt, cheques passados em Nampula e outros balcões, eram depositados em contas no balcão do Sommerschield em Maputo. O gerente, Vicente Ramaya, alegadamente teria autorizado o pagamento dos cheques, indo uma contra-entrada para a conta transitória e sendo em seguida destruído o cheque, em vez de ser enviado de volta ao balcão emissor (que nessa altura daria o cheque como não tendo cobertura). Asim, a entrada ficava simplesmente na conta transitória. Houve outras fraudes semelhantes. Em 1993 houve um desfalque envolvendo 4 mil milhões de Mt, nessa altura valendo mais de 1 milhão de US$. Foi permitido a Pedro Pinto e a Júlio Tandane descontar cheques sem ter fundos para os cobrir. O BPD tomou conta das propriedades do Grupo Pinto e Umberto Fusaroli Casadei foi nomeado para as administrar. Mas a seguir Casadei foi baleado duas vezes, a 22 de Abril e a 12 de Maio de 1993. Casadei acusou o Grupo Pinto de tentativas de assassinato e a seguir abandonou Moçambique. Outra fraude semelhante aconteceu no norte do país, em finais de 2000, envolvendo 68 mil milhões de Mt (4 milhões de US$). Cheques passados sobre uma conta do Banco Austral numa cidade foram depositados em contas no BSTM e BIM noutra cidade e remetidos para o balcão do Banco Austral na mesma cidade, onde o gerente disse que não tinham cobertura. Mas não devolveu os cheques para o banco que os tinha emitido para serem recolhidos. Não foi feita nenhuma reconciliação destas contas pelo Banco Austral, violando assim os procedimentos normais. Outra sistema de fraude é a emissão de letras de crédito sem a adequada cobertura e quando estas são apresentadas é simplesmente tirado dinheiro da conta transitória - que passa assim a ser um saco que nunca esvazia. O "ex-Director do BCM" afirmou que entre 1993 e 1996, foram roubados 40 milhões de US$ por este processo, "sob ordens vindas de cima". A maior parte das gerências de bancos tenta criar sistemas para prevenir desfalques. Em Moçambique, a computerização e os controlos apertados foram bloqueados a alto nível e adiados até muito depois da privatização. Mesmo assim, mesmo com um sistema mau, é difícil esconder milhões de dólares - a não ser que as pessoas façam vista grossa. O "ex-Director do BCM" argumentou que era completamente impossível um desfalque envolvendo contas transitórias e contas internas sem o conhecimento de um director ou administrador. Em relação à famosa fraude de 144 mil milhões de Mt no BCM, ocorrida no primeiro semestre de 1996, o BCM insistiu repetidas vezes em que ninguém hierarquicamente acima de Vicente Ramaya sabia o que estava a contecer. Mas outros, muitas vezes por causa de interesses próprios não declarados, vieram publicamente afirmar que tinham de estar envolvidos funcionários mais altos. O "ex-Director do BCM" escreveu que um director ou administrador, em particular o director responsável pela contabilidade, tinha "de ter permitido a realização da fraude". Na altura, o director responsável pela contabilidade era Teotónio Comiche, irmão mais novo de Eneias. Diamantino dos Santos, o Procurador da Cidade de Maputo, que impediu que o caso fosse investigado, deu uma série de entrevistas nas quais disse que Eneias Comiche estava a tentar proteger o irmão que estava "fortemente implicado". Diamantino dos Santos disse também que o director comercial do BCM, Alberto Calú, estava envolvido. Asslam Abdul Satar, em geral visto como o organizador da fraude dos 144 milhões de Mt, escreveu uma carta do Dubai, dirigida à Procuradoria, em 20 de Julho de 1999, admitindo o crime, mas afirmando que Calú e o PCA Augusto Candida também estavam envolvidos. A maior parte dos funcionários bancários com quem falámos afirmam que funcionários seniores deviam ter descoberto a fraude dos 144 mil milhões de Mt e outras, mesmo com um fraco sistema de controlo. Não sendo assim, tinham de admitir incompetência ou corrupção. Argumentam que não era possível aparecerem subitamente 6,6 milhões de US$ em cheques num conjunto de contas de um balcão pequeno sem ninguém da sede reparar nisso. Um elemento importante em todas estas fraudes foi a falha dos novos proprietários em não terem feito uma auditoria due dilligence quando o BPD e o
BCM foram privatizados - e a falha dos representantes moçambicanos nos conselhos de administração em requererem essas auditorias. Isto é um procedimento muito
invulgar, precisamente porque os novos donos deviam querer conhecer, e excluir, todos os maus devedores e pontos duvidosos nas contas. Ao declinarem a auditoria, os novos compradores e os
membros moçambicanos do conselho de administração estavam a dizer explicitamente que não pretendiam demarcar-se dos antigos maus comportamentos e queriam
continuá-los. [próximo artigo] metical - arquivo 2001 |