Moçambique on-line

O Público de 10 de Novembro 2001


Crise e Pressões Sobre Jornal Moçambicano "Metical"
Por FERNANDO BALTHAZAR DE LIMA
Sábado, 10 de Novembro de 2001

Ameaça de encerramento

O jornal de Carlos Cardoso, o jornalista moçambicano assassinado há quase um ano, está a viver uma situação particularmente difícil a que não é alheia a independência que manteve mesmo depois da morte do fundador

Carlos CardosoO mais influente jornal moçambicano distribuído por fax corre o risco de fechar, um ano após a morte do seu editor, o jornalista Carlos Cardoso, assassinado a 22 de Novembro de 2000 em circunstâncias ainda não esclarecidas.

Na base do momento conturbado que se vive no "Metical" está uma comunicação da viúva da Carlos Cardoso aos trabalhadores da publicação, anunciando a cessação de actividades a 31 de Dezembro próximo. Em reacção ao anúncio, os trabalhadores fizeram sair um comunicado através do MISA (Instituto da Comunicação Social da África Austral) no qual exigiam uma nova reunião com os representantes dos herdeiros de Carlos Cardoso "para clarificação da situação". No mais recente desenvolvimento, os trabalhadores tornaram público ontem a intenção de continuar com a publicação sob a capa de uma empresa a formar, com ou sem a família do editor assassinado.

Cardoso, depois de sair em ruptura da cooperativa de jornalistas Mediacoop em 1997, fundou a publicação "Metical", da qual era o único e exclusivo proprietário, editor e principal articulista. Legalmente as responsabilidades da publicação estão a cargo dos seus herdeiros, dois filhos menores de 5 e 11 anos, situação que é considerada inconveniente pela família.

Um jornal incómodo

Aparentemente, o debate legal em torno do "Metical" é apenas a ponta do "icebergue". Cardoso e o seu jornal eram o mais acutilante e agressivo órgão de comunicação social moçambicano e as suas investigações jornalísticas terão estado na base do seu assassinato. Investigações preliminares indicam que, antes da sua morte, Cardoso teve acesso às listas do crédito malparado do Banco Comercial de Moçambique (agora propriedade do BCP de Jardim Gonçalves) e do Banco Austral, listas muito incómodas para figuras associadas ao partido no poder. Outro dos alvos das investigações de Cardoso era a família do Presidente da República, Joaquim Chissano, nomeadamente as actividades e acções da sua esposa, Marcelina, e do seu filho Nympine, empresário, desconhecendo-se a origem do capital com que iniciou a actividade.

Com a morte de Cardoso, vaticinou-se de imediato a morte da publicação. A resistência do "'staff' editorial" e a direcção imprimida pelo antigo correspondente do PÚBLICO Marcelo Mosse continuaram a revelar-se incómodos para os círculos do poder. A campanha desencadeada em torno da morte de Cardoso levou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Leonardo Simão, a considerá-la racista e a acusá-la de ocultar objectivos políticos. Pouco depois, Nympine Chissano anunciava a intenção de processar o jornal, decorrente da reprodução de uma notícia do jornal "Mail & Guardian" de Joanesburgo que o dava na posse de cocaína. Neste processo rocambolesco, o Presidente da República utilizou uma reunião de "background" sobre a África Austral com editores para falar longamente sobre a actividade editorial de Mosse, conversa completamente silenciada pela imprensa moçambicana. Chissano posteriormente fez conhecer em privado o desagrado que lhe causava a direcção editorial daquele jornalista, tentando negociar um pedido de desculpas do "Metical" ao seu filho.

Mosse acabou por ser substituído na direcção interina da publicação no segundo semestre deste ano. Mas as pressões sobre o jornal continuam. O ministro do Turismo, Fernando Sumbana, cujo nome foi mencionado em vários jornais como estando associado ao crédito malparado do Banco Austral, ameaçou processar o "Metical", depois de uma investigação aturada em torno do escândalo. Foi sugerido como "moeda de troca" uma reportagem "em termos positivos" sobre a fábrica de soros propriedade do ministro e pela qual alegadamente se endividou junto da banca. Em julgamento a iniciar este mês, Nympine pede uma indemnização por difamação no valor de 17.600 contos, quantia considerada equivalente ao património do "Metical".

Visto por muitos sectores como uma das vozes da "esquerda da Frelimo" [o partido do poder], o eventual desaparecimento do "Metical" poderá constituir um rude golpe na imprensa alternativa moçambicana.
 


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