por Terezinha da Silva
O princípio da Década foi pródigo em encontros internacionais que comprometeram os governos em declarações de compromissos nacionais sobre como encarar as questões da mulher e do género. Ora vejamos:
Moçambique esteve sempre representado por delegações governamentais e não-governamentais e compromissos nacionais foram traduzidos em documentos oficiais. É assim que em 1992 Moçambique ratificou a convenção sobre a eliminação de toda a discriminação contra as mulheres (CCEDAW) votada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1980. Como resultado, no Programa do Governo de Moçambique após as eleições multi-partidárias é explícito que todos os Programas sectoriais deverão ter a perspectiva de género e refere que "O Governo vai introduzir a perspectiva de género na concepção, análise e definição de políticas e estratégias de desenvolvimento nacional" (Programa do Governo 1995). Contudo, qual tem sido a implementação na prática? Desde 1995 têm sido aprovadas pelo governo diversas políticas sectoriais, das quais destaco as seguintes:
Ficam por ser apreciadas e aprovadas as políticas dos sectores de Justiça, Recursos Minerais, Administração Estatal, Plano e Finanças, Acção Social, Interior e Negócios Estrangeiros. Que análise se pode fazer destas políticas na perspectiva de género? Infelizmente o espaço deste NotMoc não é suficiente para tratar cada uma delas. Vejamos, no entanto, se consigo realçar as questões "quentes" dos compromissos públicos adoptados pelo Governo moçambicano. Na Economia, o corte de despesas em Serviços Sociais é direccionado para o investimento directo na produção e faz a transferência das responsabilidades e despesas relativas aos serviços sociais do sector público para a família. Aqui, quem vai suportar os custos desta política são as mulheres. Mais trabalho de assistência aos doentes, aos idosos, às crianças… É agravar o processo já em curso de feminização da pobreza. A política Industrial não fez nenhuma referência ao importante papel desempenhado pela mulher no sector do caju e têxteis. Na política sobre o Meio Ambiente há uma falta de reconhecimento do papel da mulher na gestão dos recursos naturais. Quando se referem ao grupo alvo "mulher", na parte sobre "educação ambiental", subentende-se que é a mulher que degrada o ambiente… A mulher, a grande predadora! Que ela seja responsável pela sobrevivência da família (água, energia, saúde, educação, etc.), não tem importância… Quando regiões com falta de terra, de oportunidades de emprego, etc., se degradam, a culpa não é da mulher que luta duramente para manter a sua família. Por outro lado, embora a política do Meio Ambiente defenda o princípio de mobilizar as comunidades para a preservação do meio ambiente, não se valorizam os saberes predominantemente femininos na gestão dos recursos naturais. Na área das Águas é apenas referida a participação da mulher no concernente ao abastecimento da água peri-urbano. A água é um dos sectores mais sensíveis, mas as políticas não traduzem uma perspectiva de género nas estratégias traçadas. Por exemplo, a política das águas introduz a gestão privada dos serviços que pode agravar a situação da mulher, pois cabe ao homem a gestão financeira, e nem sempre ela tem acesso ao recurso financeiro para o pagamento da água. Quanto à lei das terras, a possibilidade de co-titularização da terra (marido e mulher) fornece uma base segura à mulher e esperamos que a regulamentação da lei e a sua implementação sejam eficazes. Um aspecto positivo a realçar é o crédito agrário aos camponeses, a formação da mulher camponesa e os serviços de extensão dirigidos especificamente à mulher. No tocante à Saúde e Acção Social a sua política é nitidamente a abordagem WID (mulher no desenvolvimento) com actividades na saúde materno-infantil direccionadas à mulher, sem referência à necessidade de atingir ambos os sexos. Embora a política da Justiça não tenha sido ainda aprovada e apesar do Programa quinquenal estar numa perspectiva de género, pouco se fez até ao momento. A legislação como a lei da família, a lei comercial, questões sobre violência doméstica e abuso sexual de menores, ainda necessitam de uma profunda transformação que deve ser paralela com a criação de mecanismos legais que não discriminem a mulher. Na política do Trabalho, não só há uma omissão sobre o papel da mulher no sector informal, mas também não fica claro sobre a questão do trabalho assalariado, o emprego, o trabalho informal, etc. A educação criou um departamento de género no seu Ministério, o que pode contribuir efectivamente para a mudança de atitude e de práticas neste sector. Quanto às ONG's há evidências de uma concentração vincada das actividades das ONG's em questões de bem-estar Social, essencialmente saúde, educação, acção Social, com fraca incorporação de questões sobre a desigualdade de género. Porque afinal é de desigualdade e de discriminação que se trata. Perante um poder que declara a igualdade entre homens e mulheres, reproduzem-se e persistem práticas discriminatórias. O que é de direito exige-se. Imediatamente, sem mais delongas! É esta a reflexão que aqui deixo.
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