por Signe Arnfred
Nestas últimas décadas o "Género e Desenvolvimento" tem ganho um espaço nos programas e projectos de desenvolvimento, pelo menos ao nível da definição de políticas. Falar em Mulher e Desenvolvimento (Women and Development - WID) está ultrapassado, hoje a "expressão mágica" é Género e Desenvolvimento (Gender and Development - GAD). Esta mudança foi favorecida pelos movimentos de mulheres numa escala global e ganhou consistência desde a Quarta Conferência Mundial das Mulheres em Beijing em 1995. Também em Moçambique um Plano de Acção Pós-Beijing foi elaborado em 1996, especificando, ministério por ministério, quais as políticas GAD.
O problema óbvio diz respeito ao passo crucial que vai da teoria à prática: dizer uma coisa e agir é outra. As feministas que já trabalharam com políticas de género e desenvolvimento sabem que a via que nos conduz da teoria à prática é muito longa e está tão esburacada e escorregadia como uma estrada rural durante a estação das chuvas.
Este problema óbvio, contudo, não é o único. Atrás dele, outros e não menos sérios problemas estão presentes, se bem que sejam raramente tomados em consideração, na medida em que os problemas óbvios atraem todas as atenções. (...)
Um dos problemas diz respeito à linguagem e aos parâmetros utilizados para pensar as políticas de Género e Desenvolvimento, mesmo as concebidas pelas feministas com todas as boas intenções. Existem pressupostos implícitos sobre as relações de género, que são chamados a intervir em determinadas situações nas quais eles podem não ser adequados, assim como uma influência importante é exercida através da linguagem e conceptualização, dando destaque a alguns aspectos da sociedade e obscurecendo outros. (...)
Fazendo trabalho de campo em Nampula, encontrei uma rica cultura feminina, da qual os manuais do Género e Desenvolvimento não se deram conta. Esta cultura feminina inclui em certas zonas da província a autoridade das Mapwiyamwene, no que respeita às relações com os espíritos ancestrais; o conhecimento e a sabedoria das curandeiras; os rituais relacionados com o parto e o período pós-parto; os ritos de iniciação femininos. Em outras zonas da província, as associações de ajuda mútua das mulheres e os grupos de dança no contexto do Islão, são aspectos óbvios de uma cultura feminina. Muita desta cultura feminina, contudo, interessa pouco ao "desenvolvimento". Por exemplo, a "Saúde Reprodutiva" é uma preocupação do "Desenvolvimento", mas somente nos aspectos estritamente relacionados com a saúde física, e não no seu contexto social e cultural.
Como foi salientado pela antropologia clássica, a cultura "tradicional" é muitas vezes baseada em conexões entre corpo/alma, vivos/mortos e indivíduos/comunidade. Quanto a mim, isto é verdadeiro no mundo rural em Nampula. O "Desenvolvimento", contudo, tende a enfatizar somente o corpo, os vivos e o individual, esquecendo-se dos laços com a alma, os mortos e a comunidade. Nesta redução, muita da cultura feminina é destruída.
Ao destacar alguns aspectos da vida social e silenciando outros, o "desenvolvimento" actua ainda antes que a acção se concretize. Como indicado inicialmente, um dos problemas das políticas de "Género e Desenvolvimento" é que elas existem mais no papel que na acção. Contudo, se nos debruçarmos mais profundamente sobre estes aspectos, constatamos que mesmo as palavras no papel têm um impacto, através da maneira com que elas orientam homens e mulheres na percepção da sociedade. Considerado dentro deste contexto, temos que mesmo as políticas de "Género e Desenvolvimento" - que pretendem lutar pelos direitos e espaços das mulheres - são cegas para a cultura feminina e posições de poder na sociedade rural.
Em Nampula rural, a maneira através da qual as mulheres se têm defrontado com os esforços de "Género e Desenvolvimento", é que elas adquiriram a linguagem da subordinação das mulheres, aprendendo a ver-se a si mesmas como oprimidas. Elas não aprenderam a ver a sua posição central na família e nos rituais comunitários como poder, ou os seus conhecimentos e capacidades como cultura feminina. Uma abordagem de tipo "agenda-setting" (intervir na definição da agenda do desenvolvimento) pode ser apropriada para fazer com que as mulheres reconheçam a cultura e o poder que elas actualmente possedem, como ponto de partida para a mudança e o desenvolvimento nos termos das mulheres e não de acordo com os standards masculinos e de mercado que estão implícitos nas linguagens actuais do "Desenvolvimento".
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