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7 de Abril 1999

SOBRE AS CERIMÓNIAS MILITARES, O CANTO DO GALO
E O DIA INTERNACIONAL DA MULHER

por Maria Isabel Casas

"Como em Moçambique o galo ainda canta na capoeira, vamos pedir ao galo para cortar o bolo do Dia Internacional da Mulher". Estas foram as palavras endereçadas à autoridade masculina presente no convívio organizado pela OMM em Nampula depois da cerimónia de deposição de uma coroa de flores, na tarde do passado 8 de Março.

Na capoeira do galo, que é, em boa medida, o mundo em que vivemos, o canto do galo continua a servir de pano de fundo para muitas das actividades desenvolvidas pelas mulheres. Em alguns casos, isto inclui a simples celebração do Dia Internacional da Mulher. Vou-me referir a dois aspectos relacionados com a forma como é comemorado o dia em Nampula para ilustrar esta afirmação:

O primeiro está relacionado com o conteúdo das actividades à volta da data. Neste ano, como nos anteriores, o programa proposto pela OMM em Nampula para a comemoração do 8 de Março, projectado ao longo da semana que antecede essa data, incluiu visitas a quatro hospitais, a duas cadeias, a três creches, palestras em quatro escolas, entre outras actividades. A maior parte destas actividades são de beneficência e contribuem para reforçar o papel das mulheres como amparo dos outros. Todos os outros: as crianças, os pais, os maridos, os velhos, os doentes.

Ora bem, não será este papel das mulheres digno de ser louvado? O trabalho paciente de criar, cuidar, alimentar e manter a vida, que é realizado cada dia por milhares de mulheres no mundo, é um valor que deveria estar reconhecido e considerado como eixo das políticas e das prioridades dos Estados. Mas não é, porque, ao considerar-se que a "vocação natural" das mulheres é tomar conta dos outros, as necessidades próprias das mulheres são relegadas para o último lugar.

E é aí onde canta o galo. As actividades propostas pela OMM em Nampula para a comemoração do 8 de Março centram-se em torno de acções de solidariedade com grupos em situação difícil (doentes, presos, crianças da rua, velhos), que poderiam ser desenvolvidas em qualquer dia do ano e que não dizem nada respeito aos problemas das mulheres na Província (excepto talvez aos das presas, das doentes, das velhas, das meninas da rua). Porém as visitas são feitas apenas como uma boa acção das mulheres no "seu dia", sem tomar em consideração as diferenças de género entre homens e mulheres destes grupos mais vulneráveis.

O sentido do Dia Internacional da Mulher é o de comemorar as lutas das mulheres no mundo pelo reconhecimento dos seus direitos. Por isso, em Moçambique, deve ser um dia para desenvolver actividades dedicadas a fortalecer as mulheres, a aprofundar a sua consciência de serem metade da população do país, a força enorme que muitas vezes garantiu o milagre da continuidade da vida no meio da guerra, da fome, da confusão e que contribui, de maneira central, na reconstrução de Moçambique. É um dia para comemorarmos juntas, para olharmos o caminho que temos pela frente, sem ficarmos fixas nas nossas diferenças políticas. Pelo contrário, aproveitando a riqueza da nossa diversidade política e cultural, encontrar aquilo que nos une na nossa condição de mulheres de um ou outro canto da Província, do país, do continente, do mundo.

Um outro aspecto através do qual se faz ouvir o canto do galo está relacionado com o carácter das cerimónias do Dia Internacional da Mulher.

O tipo de cerimónia praticado - de corte militar - realizado na Praça dos Heróis - Praça da OMM, rende homenagem a um herói masculino ou, ocasionalmente feminino, com a deposição duma coroa de flores, os discursos das respectivas autoridades e o acompanhamento musical da banda de guerra. As diversas cerimónias pátrias ao longo do ano têm quase todas o mesmo estilo, o mesmo carácter, a mudança básica é o conteúdo do discurso.

Mas seja qual for, a verdade é que o tom marcial da cerimónia não evoca valores inerentes ao Dia Internacional da Mulher como a democracia (no país e na casa), ou a oposição à violência como forma de relacionamento entre as pessoas, entre outros. Nem estimula formas de celebrar próprias das mulheres.

O 8 de Março é o nosso dia. Somos nós a definirmos a maneira como queremos comemorá-lo. As mulheres em todo o mundo realizam nesse dia actividades e cerimónias diferentes, privadas e públicas, para tornarem visível a sua contribuição no mundo e os obstáculos que ainda enfrentam. Não há uma regra em lugar nenhum para conduzir o 8 de Março. A única "regra" é que seja nosso, definido pelas necessidades específicas das mulheres em cada lugar.

Neste espírito, há dois anos (1997), em Nampula, organizámos uma actividade para o 8 de Março que, pela primeira vez, foi colectiva, com a participação de todas as organizações que trabalham com mulheres na Província. Para além da proposta de organizar o Dia colectivamente, a ideia foi a de pensarmos juntas uma forma diferente e autónoma de comemorar o dia. Diferente, enquanto que pensada criativamente em função das realidades e recursos imaginativos das mulheres da Província e autónoma, enquanto que organizada de forma independente pelas mulheres, como se faz em todo o mundo, contando com a participação das organizações de mulheres dos partidos, mas em pé de igualdade com as outras organizações.

O ponto mais conflituoso no processo de preparação foi a discussão à volta duma proposta de fazer um ritual tradicional makhuwa para comemorar o Dia, substituindo a habitual cerimónia da coroa de flores.

Sugerimos a realização duma cerimónia tradicional Makhuwa como forma simbólica de pedir às antepassadas a protecção para as mulheres desta terra. A proposta veio de constatarmos que, na tradição makhuwa, são principalmente as mulheres a fazerem as cerimónias de Makeya e que elas representam o vínculo com os antepassados, tão importante nas tradições africanas (cerimónia tradicional de culto aos antepassados que é presidida por uma Pwiyamwene. Na cerimónia "põe-se" farinha de mapira à volta duma árvore preparada para a ocasião, enquanto se invocam os antepassados para pedir a sua protecção em relação a assuntos da família ou da comunidade). Nesta cerimónia tradicional de Makeya para o Dia Internacional da Mulher a intenção foi pedir às antepassadas para dar mais força às mulheres da Província, mais coragem para lutar contra as injustiças, mais clareza para encontrar um caminho de crescimento próprio e positivo nas suas vidas. Qualquer mulher desta Província pode-se identificar com uma cerimónia de Makeya, daí o valor de resgatar a tradição como cerimónia do 8 de Março.

A pequena cerimónia foi realizada por uma Pwiyamwene (autoridade tradicional feminina na tradição makhuwa) num lugar previamente preparado e com a participação de mulheres dos bairros, conforme tinha sido combinado pelo grupo organizador, composto, como já foi dito, por várias organizações de mulheres, entre as quais a OMM. Contudo, algumas pessoas no seio desta organização tiveram dificuldades em entender e aceitar a proposta que tinha sido explicada neste contexto e com a qual tinham concordado nas reuniões de preparação do Dia. O facto de termos organizado uma cerimónia diferente da forma oficial de realizar cerimónias no seio da OMM foi olhado com suspeita por algumas estruturas desta organização.

Esta terra oferece um leque rico de possibilidades imaginativas para celebrar momentos especiais, com uma riqueza muito profunda no que diz respeito ao imaginário feminino. Ora, a desconfiança para incorporar formas alternativas de celebrar os eventos desperdiça a oportunidade de construir um momento especial na vida das mulheres e de fortalecer a autonomia das organizações para conceber o dia em conformidade com as suas imagens.

Cabe então perguntar se não serão as cerimónias de tipo militar uma companhia harmoniosa ao canto do galo na capoeira.

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