O perfil do devedor
Ao anunciar os resultados de 2000, a administração provisória do Banco Austral admitiu que, até ao fim do ano, 34% dos empréstimos
não estavam a ser pagos - no calão bancário, são créditos mal parados. Estes créditos totalizam 644 biliões de Meticais - mais ou menos 32
milhões de US$ ao câmbio actual.
O volume astronómico de crédito mal parado, concedido em apenas 3 anos de administração privada, mais o total falhanço em gerir os
maus pagadores herdados do BPD, levanta questões fundamentais acerca dos novos gestores, mas mostra sobretudo o perfil do devedor (ressalve-se que muitas empresas que
compõem o sector produtivo nacional - algumas chamadas "honestas" - também constam da lista de devedores).
A KPMG deu conta de vultuosos créditos não honrados (superiores a 1 bilião de MT) devidos por figuras séniores da Frelimo e pessoas
pertencentes ao Governo e seus parentes, por figuras importantes da oposição e suas empresas. Menciona também empréstimos grandes devidos por sócios e
membros de família de funcionários importantes do Banco Austral que não podem ser recuperados. Numa sugestão quer de fraude quer de má contabilidade, a
KPMG disse que 21 biliões de Meticais registados nas contas como estando em trânsito entre sede e balcões devem ser tratados como irrecuperáveis.
No final dos anos 80 e princípios dos 90, o BPD começou a ter a reputação de ter uma ligação estreita à Frelimo e aos
serviços de segurança e teria dado dinheiro e empréstimos a membros do governo ou pessoas que o partido favorecia, incluindo oficiais desmobilizados das forças
armadas. Muitos destes empréstimos nunca foram honrados e foram cancelados simplesmente.
O que pensa o ABSA
Os novos sócio maioritários do Banco Austral, o banco sul africano ABSA, que detém 80 % da instituição, optaram pelo silêncio
quando ao assunto Siba Siba. Numa entrevista ao Domingo na semana passada, o senhor Stander, um dos responsáveis do ABSA em Moçambique, disse que o crime era assunto do
passado e caso de Polícia. Ele reconheceu que a perda de uma vida humana era muito má e acrescentou: "Seja como for, o nosso enfoque é a reconstrução do
Banco Austral e do seu futuro. Penso que o assassinato de Siba Siba, se foi isso, está nas mãos do Governo e da Polícia, e está a ser investigado pelas
autoridades competentes".
Onde pára a solidariedade de classe?
Na sua mensagem de pesar e solidariedade, os membros do então Conselho de Administração e os trabalhadores do Banco Austral manifestaram com
veemência o seu repúdio para com o crime. Disseram-se colhidos de "surpresa e indignação". Nas exéquias fúnebres de Siba Siba, os colegas
elogiaram-lhe "os elevados atributos de integridade, isenção, profissionalismo, competência e capacidade intelectual que constituiam modelo de inspiração
para todos os trabalhadores honestos".
Destacaram também "as suas qualidades inegáveis de patriotismo, abnegação e sacrificio" e as "de trabalhador determinado, corajoso e
ousado". À maré de elogios acrescentou-se uma promessa que mereceu apreço na opinião pública: "Queremos garantir- te, colega, amigo, não
vacilaremos, nem desistiremos, todo o nosso esforço e disponibilidade estão a ser aplicados para a concretização dos objectivos e ideais pelos quais sempre
combateste. Por ti sempre exigiremos justiça".
O assassinato de Siba Siba mexeu a sensibilidade não só dos trabalhadores do Banco Austral mas também do Banco de Moçambique, onde ele tinha
feito carreira. Mexeu também um bom grupo de economistas da sua geração da universidade, levando-os a publicar nos meses subsequentes abaixo-assinados na imprensa
exigindo justiça.
Tentava-se seguir o exemplo da ampla pressão pública que o assassinato de Carlos Cardoso suscitou - pressão essa que foi fundamental para sacudir a
inércia das instituições judiciais no caso.Mas a pressão vacilou ao longo das semanas. Os abaixo-assinados deixaram de ser publicados em cada dia 11. Medo?
"Sim", comentou um jovem economista do banco central. Os colegas de Siba Siba dizem-se com medo, por isso calaram-se. Têm famílias como ele, crianças para dar amor,
por isso vendaram os olhos à solidariedade pública, à necessária pressão e até aos malefícios que afectam as nossas finanças
públicas.
M.M.
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Savana - 2002
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