- Dhlakama quer comissão de inquérito
(Maputo) A presidência da República alega que Afonso Dhlakama instruiu os seus homens a disparar contra a Polícia. E o líder da Renamo responde exigindo uma comissão de inquérito para examinar os acontecimentos na Beira.
Uma nota recebida ao fim da tarde de ontem da presidência, diz que “Joaquim Chissano recebeu, cerca das 15 horas de hoje, informações segundo as quais o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, mandou ordens para Marínguè e Inhaminga, via Quelimane, para que os seus homens estacionados nestes locais disparem a matar, caso sejam instados pela PRM a entregarem as armas que têm em seu poder”.
“O chefe de Estado deplora esta atitude e apela a todos os moçambicanos, independentemente da sua filiação partidária, a pautarem-se pelo cumprimento da lei, em prol da paz e estabilidade do país”. O comunicado não adianta qualquer evidência.
Também ontem, Dhlakama, que está em Maputo, convidou o corpo diplomático para, segundo uma fonte, se queixar de a sua segurança estar a ser “atacada” pela Polícia. Este encontro segue-se aos acontecimentos na Beira esta semana.
Na terça-feira, uma unidade policial entrou na sede da Renamo na Beira e na casa de Dhlakama, numa operação de apreeensão de armas na posse de membros da Renamo. Como antecedente imediato desta operação está uma série de declarações contraditórias de dirigentes da Renamo, uns a prometerem dividir o país no rio Save e outros, incluindo o próprio Dhlakama, a prometerem uma viragem no seu comportamento parlamentar - o abandono do não reconhecimento do governo.
A Renamo acusou Chissano de estar a violar o Acordo Geral de Paz de 1992 ao ordenar à Polícia esta operação de recolha de armas. O PR ripostou, na quarta-feira, dizendo que o AGP teve a sua validade terminada com as eleições de 1994 no tocante ao direito da Renamo de manter armas em seu poder. Chissano acrescentou que ele ofereceu a Dhlakama a possibilidade de os seus homens integrarem a PRM mas ele recusou. Chissano anunciou, então, que a operação de captura destas armas iria prosseguir.
Segundo apurámos de fonte diplomática, o encontro de Dhlakama com os diplomatas foi curto. Estiveram presentes diplomatas ocidentais, da RAS e do Zimbabwe. Os embaixadores não foram pessoalmente, fazendo-se representar por pessoal das suas embaixadas. Foi notada a ausência do grosso das embaixadas africanas.
O líder da Renamo queixou-se da operação da Polícia e, a dada altura, ao falar da entrada da Polícia na sua casa na Beira “ficou extremamente emotivo”. Ele declarou aos diplomatas que não aceita a interpretação que Chissano faz do AGP, quanto à recolha das armas, porque, a seu ver, ainda não há condições de segurança para a Renamo se sentir defendida sem armas. E exigiu a criação de uma comissão de inquérito internacional para examinar estes acontecimentos. A nossa fonte disse-nos que Dhlakama evitou qualquer pergunta dos diplomatas, partindo de imediato para uma conferência de imprensa.
No seu contacto com a imprensa, Dhlakama disse, no essencial, que não se responsabilizará pelo que vier a acontecer e que, a partir de ontem, não faria quaisquer apelos no sentido da paz em Moçambique. (Carlos Cardoso e Marcelo Mosse)
Comentário do “mt”: O comunicado da presidência da República é deveras surpreendente. Por várias razões.
Em primeiro lugar, porque coloca o PR como factor central do alarmismo, com todas as consequências que daí poderão advir, nomeadamente, de imediato, uma onda de receio entre os investidores que já estavam habituados às ameaças da Renamo mas, para quem, certamente, este alarmismo de Chissano será preocupante.
Em segundo lugar, porque vindo directamente do PR, e não, como seria de esperar, de um ministério relevante, o comunicado coloca o PR directamente no papel guerreirista que ele tão habilmente tem vindo a evitar.
Em terceiro lugar, porque os principais dirigentes da Renamo tinham escolhido um percurso de auto-destruição política evidente, culminando com a ruptura em torno de Raul Domingos, não parecendo evidente, portanto, a necessidade de qualquer recurso a mais nenhuma arma que não a da paciência.
Resta, no entanto, saber, se por detrás da loucura das ameaças da Renamo sobre a divisão do país, a que poucos já ligavam, estava, não a vacuidade, mas sim uma movimentação militar no terreno. O tempo dirá se isso assim era ou se o PR acaba de cometer uma grave gafe política e diplomática.
Seja como for, nunca é demais ansiar que a sociedade civil se comece a manifestar no sentido de fazer entender aos dois lados que não há campo nenhum neste momento para outra agenda que não a da paz. metical - arquivo 2000 |