Nina Berg quebra o silêncio, 72 dias depois "Esta não-investigação é grave" "O Primeiro Ministro declarou: o assassinato de Carlos Cardoso serve os interesses dos inimigos de Moçambique. Eu acrescentaria que a actual não-investigação não serve os interesses de Moçambique" (Maputo) A viúva de Carlos Cardoso, Nina Berg, quebrou finalmente o silêncio que guardava desde que o editor deste jornal foi assassinado há dois meses e meio em Maputo. Aproveitando a ocasião da recepção do prémio Coragem, atribuído postumamente a Cardoso pelas publicações britânicas Index on Censorship e The Economist, Nina Berg, num discurso muito comovido, atacou as autoridades governamentais pela lentidão da investigação ao assassinato de Carlos Cardoso, dizendo que o que está a acontecer não é uma investigação, mas uma "não-investigação". E exigiu que haja uma comissão internacional que apoie as investigações. Nina recordou que "durante o funeral e nos dias que se seguiram, dirigentes moçambicanos comprometeram-se em desenvolver uma investigação rápida e séria para encontrar os culpados". Mas "infelizmente, nem a família de Cardoso nem a sociedade civil tem até hoje qualquer sinal de que essa investigação profunda e empenhada tenha sido levada a cabo. Pelo contrário, os sinais de que dispomos levaram a concluir que o que está sucedendo é uma não-investigação". E "esta não-investigação é grave. Porque é uma ameaça à própria liberdade de imprensa e de pensamento. Porque pode comprometer definitivamente os valores da decência e da justiça. A justificação de que há falta de recursos não é aceitável. Para mim, seria um grave deslize paternalista acreditar, à partida, na incompetência como razão principal deste estado da investigação. O que a família e a sociedade necessitam acreditar é que exista vontade e comprometimento na procura da verdade. Porque deixar estes crimes sem esclarecimento é algo que compromete o próprio prestígio das autoridades. Permitir a impunidade é dar campo à especulação, sabendo que essa especulação pode atingir gravemente a credibilidade do governo e dos governantes moçambicanos". Nina recordou declarações do Primeiro Ministro, Pascoal Mocumbi, logo após o assassinato do jornalista, segundo as quais "o assassinato de Carlos Cardoso serve os interesses dos inimigos de Moçambique", e afirmou: "eu acrescentaria que a actual não-investigação não serve os interesses de Moçambique". Embora o actual estado das coisas, Nina Berg, deixou claro que a pressão para que as autoridades governamentais esclareçam o caso não vai parar: "Nós não vamos parar. Continuaremos exigindo justiça. Conforme dissemos há um mês atrás, exigimos que uma comissão internacional apoie as investigações. Faremos tudo contra o silêncio e o esquecimento. Porque, ao fim ao cabo, se vencermos este desafio não será apenas a memória de Cardoso que sairá vitoriosa. Quem vencerá serão o sentido da liberdade, a justiça e o respeito pela vida humana". Nas frases iniciais das suas declarações, a viúva não deixou de recordar que Novembro não foi apenas trágico para a sua família, mas também para muitas outras. "Não fui apenas eu que fiquei de luto nesse fatídico mês. Não foi apenas a minha família. Em Novembro muitas famílias moçambicanas perderam os seus familiares de forma brutal. Eu ainda tive (e ainda tenho) o conforto deste reconhecimento público e desta luta colectiva para que se respeite o nome e a memória do meu companheiro. Mas existem outras famílias em Montepuez que nem sequer tiveram esse simples conforto de ver publicados os nomes dos familiares que morreram. Esses mortos continuam sem nome, sem rosto. São simples números, estão sujeitos a serem apagados da nossa memória. Falo destas outras famílias enlutadas porque tenho a certeza que Carlos Cardoso lutaria pelo respeito desses homens e mulheres. Falo dessas famílias porque não estamos celebrando aqui apenas uma pessoa mas as ideias pelas quais essa pessoa lutou toda a sua vida. O que estamos celebrando neste momento é o respeito pelas pessoas, o respeito pela vida". Referindo-se objectivamente ao prémio, Nina afirmou que ele "distingue uma qualidade em particular: a coragem. Cardoso era
um homem corajoso, disposto a enfrentar mesmo os mais poderosos. Mas a coragem dele não era diferente da nossa. Cardoso também tinha medo. Mas era a sua aposta intransigente
na justiça e na verdade que fazia com que ele ultrapassasse o medo. Esta luta interior, esta exigência para consigo mesmo são os exemplos maiores que ele deixou para
os jovens jornalistas. E para todos nós". metical - arquivo 2001 |