Moçambique on-line

metical de 14 de Março 2001


Irmãos Satar e Ramaya na BO

Os três foram detidos sob suspeita de terem sido os autores morais do assassinato de Carlos Cardoso e do atentado ao advogado do BCM, Albano Silva
 

(Maputo) A Polícia deteve ontem três dos arguidos do caso da fraude de 14 milhões de USD ao Banco Comercial de Moçambique (BCM), nomeadamente Vicente Ramaya, Momade Abdul Assif Satar, mais conhecido por Nini, e o seu irmão, Ayob Abdul Satar. O primeiro era gerente do balcão do BCM onde a fraude se deu em 1996 e os irmãos Satar, sócios da Unicâmbios, foram alegadamente beneficiários da fraude.

Os três foram detidos ontem sob a alegação de terem sido os mandantes do assassinato do jornalista Carlos Cardoso e foram conduzidos a uma cadeia de máxima segurança nos arredores de Maputo, a chamada BO. Outra alegação que pende contra os três é a de terem estado por detrás da tentativa de assassinato do advogado do BCM, Albano Silva, em Novembro de 1999. A Polícia está também a tentar descortinar o relacionamente dos três com o recente atentado ao procurador Albino Macamo.

A detenção dos três segue-se a dias de grandes movimentações em torno das investigações relacionadas com o assassinato do nosso editor. Depois da detenção de Anibalzinho e companhia, a Polícia encarcerou na quinta-feira da semana passada o cidadão Fernando Magno. Anibalzinho e Magno terão falada à Polícia das suas ligações com Nini, mas, no sábado, uma diligência de audição a este comerciante foi adiada para a segunda-feira. Nesta data, Nini não foi ouvido, tendo corrido a informação de que essa diligência tinha sido novamente adiada.

Ontem, uma fonte próxima das investigações disse ao “mt” que as voltas dadas a esta diligência visavam “distrair” os arguidos do caso BCM, acrescentando que a detenção dos três havia sido estabelecida mesmo no fim de semana.

Desde sábado que tanto Nini como o seu irmão Ayob estavam sob forte vigia da Polícia, movimentando-se sob “fortes restrições”. Mesmo assim, Ayob chegou a dizer ontem ao “mt” que ele e Nini estavam a “trabalhar normalmente”. Depois de ter sido detido a 25 de Fevereiro, Anibalzinho foi finalmente presente ao juiz de instrução na passada sexta-feira. Os restantes detidos só foram conduzidos ao juiz anteontem. Ontem, o juiz terá, finalmente, ordenado a manutenção das suas prisões, de forma preventiva. Aliás, o advogado de Anibalzinho, Simeão Cuamba, estava à espera, ontem, de ser notificado sobre o assunto.

Segundo apurou o “mt”, Anibalzinho já confessou à Polícia ter-se dirigido à redacção do “mt” algumas semanas antes do assassinato de Carlos Cardoso. Ele terá argumentado que veio ao “mt” com o intuito de adquirir uma cópia do jornal pois Cardoso acabara de lançar um debate que era do seu interesse. Ontem, tentamos em vão ouvir os advogados dos irmãos Satar, Domingos Arouca e Espírito Santo, e de Vicente Ramaya, Abdul Carimo Issá.
(M.M. e Z.C.)



Carlos Cardoso e o BCM

(Maputo) Haverá alguma relação entre a detenção de Nini, Ayob e Ramaya, ontem em Maputo, e o assassinato do editor do “mt” Carlos Cardoso? Ou por outra, haverá alguma relação entre o caso da fraude ao BCM e o assassinato do nosso editor? Ou ainda, haverá alguma relação entre a morte de Cardoso e o BCM? A Polícia tentará estabelecer nos próximos dias uma resposta para, pelo menos, as duas primeiras questões. Fontes do “mt” ligadas às investigações sustentam que a Polícia está na posse de “importantes pistas” que alegadamente relacionam a perpetração do crime com os três detidos. Só isso, disse uma das fontes ouvidas ontem, é que explicaria a detenção. “Caso contrário, a Polícia continuaria a investigar”.

Como jornalista, Carlos Cardoso fez do caso da fraude ao BCM uma batalha incontornável, uma luta para ir até ao fim. Nas páginas do “mt”, Cardoso investigou o mistério da fraude e, sobretudo, bateu-se duramente para que o caso fosse levado a julgamento, até como um teste decisivo para a recuperação do sector da justiça. O roubo ao BCM não podia ser deixado impune. Na luta contra a inoperância do Ministério Público neste caso, Cardoso juntou-se à batalha do advogado Albano Silva para que o mesmo fosse a julgado através de uma acusação devidamente fundamentada, uma acusação que fosse até às últimas consequências.

Se há uma voz que volta e meia voltava a falar deste roubo ao BCM, um banco onde o nosso Estado é accionista de peso, Carlos Cardoso era a tal. Mas, nas vésperas do seu assassinato, o editor do “mt” embrenhara-se numa outra causa, vasculhava também outros, novos, mistérios, se calhar até mais graves, como o descalabro financeiro ao BCM: os mais de 120 milhões de USD de prejuízos. Onde tinha ido parar tamanho dinheiro?, perguntava-se constantemente o editor, debitando editoriais cuja essência assentava na percepção de que o Estado moçambicano estava completamente indefensável perante o crime organizado e que a cultura de roubo se situava já ao mais alto nível do Estado. A explicação dos prejuízos de um banco que, por ter o Estado como accionista é também pertença de todos os contribuintes moçambicanos, nunca foi até hoje devidamente assumida. Nem pelos administradores do banco, nem pelo Estado. O desvendar desses prejuízos era, pois, também, uma das últimas causas de Carlos Cardoso.
(M.M.)



Uma fraude sempre na ribalta

(Maputo) O caso da fraude ao BCM voltou ontem à ribalta na Assembleia da República (AR), com uma nova intervenção do deputado Eneas Comiche, que reiterou a urgência de o mesmo ser levado a julgamento (ver opinião de Comiche nesta edição). Comiche, um antigo Governador do Banco de Moçambique, é hoje administrador do BCM, controlado pelo grupo Banco Comercial Português (BCP). No ano passado, também por ocasião do informe do anterior PGR, António Namburete, Comiche acusou os órgãos da justiça de estarem a evitar a investigação do caso. Depois seguiu-se uma polémica no interior da Procuradoria Geral da República, que culminou com a demissão pelo Presidente Chissano de todo anterior elenco.

Reagindo ontem a Comiche, o novo PGR, Joaquim Madeira, disse que o caso BCM constituía uma das “preocupações de fundo” da Procuradoria e do Tribunal Supremo. Ele recordou que o processo já tinha sido “reorganizado” e que já estava nomeado um juiz que irá lidar exclusivamente com este caso que é, acrescentou Madeira, “prioritário”.

Mas a intervenção de Comiche não foi de todo pacífica, sobretudo pela referência que ele fez aos “advogados que são deputados e que defendem criminosos”. Máximo Dias, da bancada da Renamo, advogado ligado a casos chamados “quentes”, sentiu-se atingido. E ripostou. “Será que só os economistas é que devem ser deputados? Ou devem ser deputados apenas os desempregados?”. Falando mais tarde ao “mt”, Dias sugeriu que Comiche devia estar era mais preocupado em trabalhar na recuperação dos prejuízos apresentados pelo BCM no exercício de 1999, “tanto mais que ele já foi governador do Banco de Moçambique e tem responsabilidades na fiscalização da actividade bancária”.

Comiche é economista. Máximo Dias é advogado de Asslam Satar, irmão de Nini e Ayob, ontem detidos. Asslam abandonou o país, tal como os pais, logo que a fraude ao BCM foi descoberta.

No fim da sessão parlamentar de ontem, Comiche, entrevistado pela TVM, voltou à carga, reafirmando a necessidade de “os arguidos no caso BCM recolherem imediatamente à cadeia”, pois “não se compreende que estes criminosos continuem a andar livremente”. Mas Comiche, àquelas horas, já sabia da detenção de Ramaya, Nini e Ayob, pois ele acrescentaria à televisão que “sei que os alguns dos arguidos teriam hoje recolhido à cadeia, mas não sei se em relação com este caso ou com outro”. O administrador do BCM reafirmaria a sua “indignação por haver deputados e outros suplentes que são defensores de criminosos”.

A referência aos suplentes atinge o dr Abdul Carimo Issá, pois este foi até bem pouco tempo deputado-suplente pela bancada parlamentar da Frelimo. Carimo é conhecido como advogado de Vicente Ramaya no caso BCM.
(M.M.)



A opinião de: Eneas Comiche (*)
INTOCÁVEIS

Ouvi aqui um informe, ainda que sucinto, sobre o “Caso BCM”, o que demonstra que as preocupações apresentadas nesta magna Assembleia no ano passado foram tomadas a sério. Reitero, porém, a necessidade urgente de os principais arguidos no processo nº 5050/96 serem tratados como criminosos, anti-sociais, um bando de malfeitores, que deve ser recapturado, julgado e exemplarmente condenado, ressarcindo-se o Estado dos prejuízos causados.

Apesar de me ter referido nesta magna Assembleia, no ano passado, ao “caso BCM” e de ter apelado para que a justiça fosse realizada com a celeridade que o mesmo reclama, a verdade é que os autores do crime continuam a circular impunemente como cidadãos intocáveis. Até quando, digníssimo Procurador Geral da República? (...)

É com grande preocupação que vejo deputados efectivos ou suplentes da Assembleia da República como advogados de defesa de criminosos. Com efeito, repugna à sociedade que o deputado, mandatário do povo por excelência, intervenha em defesa de criminosos, sabido que o crime consubstancia a violação dos mais elevados valores e interesses do povo mandante.

Para reflexão a este respeito e sem prejuízo da presunção da inocência do arguido, constitucionalmente consagrada, pergunto-me se não deveríamos introduzir no Estatuto do Deputado, agora que estamos em tempo de revisão, algumas incompatibilidades neste domínio que respondam à preocupação que aqui deixo expressa?

* Extractos da intervenção do deputado, ontem na AR.


metical - arquivo 2001


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