por M.C.R.
De entre os diferentes objectos sociais com eficácia simbólica, o dia comemorativo merece uma atenção especial. Constitui um momento em que estão em jogo crenças portadoras de assinaláveis efeitos de representação e de mobilização.
Vejamos, por exemplo, o Dia da Mulher - instituição que permite objectivar maneiras de classificar relações de género, que na linguagem usual podem exprimir-se na categoria dicotómica homem/mulher.
Como agentes sociais, as mulheres estabelecem uma relação prática com a classificação - Dia da Mulher. Nesta data é, pois, possível observar estratégias colectivas que permitem colocar o evento ao serviço de interesses materiais e simbólicos. Em geral, a ritualização comemorativa compreende, por exemplo, debates, palestras, actos culturais, evocação do "peso das mortas", reflexões políticas, produtos/conhecimento, etc. Este conjunto funciona como esquema prático, através do qual os homens são, por sua vez, classificados, sendo, em geral, igualmente, avaliadas as lutas das mulheres. Referimo-nos às relações de força objectivas e às suas posições nessas relações de força.
O Dia da Mulher é também dia de representação de si e para si, a qual busca sentido no jogo de contraposições às classificações que o mundo masculino constrói sobre Ela.
O Dia da Mulher pode, igualmente, exprimir a eficácia do poder político sobre as mulheres como categoria social. Em última instância, é o Estado que detém - graças ao controlo dos instrumentos de administração das pessoas - o poder de decidir quando e como deve ser oficializada e tornada pública a existência da Mulher como categoria social. O que não exclui que tal decisão possa ser consequência da luta das mulheres contra a dominação.
Ora é precisamente no exercício da dominação que o campo político é de grande eficácia simbólica, podendo, por isso, dissimular a verdade objectiva da prática. Trabalho de dissimulação, exposto, contudo, ao double bind: por um lado, o campo político necessita, no exercício da dominação simbólica, da crença materializada em grupos de que se pode fazer o que se diz, por outro a criação de tais grupos - e referimo-nos no caso vertente aos grupos de mulheres - põe em causa essa mesma dominação porque questiona, entre outros, um dos seus fundamentos, a dominação masculina.
Este jogo - com os seus agentes e situações representadas - ganha acuidade no dia da Mulher. Através dele abre-se um vasto campo de possibilidades de acção que vão da "cumplicidade na dominação" a ganhos materiais e simbólicos, tanto mais importantes quanto melhor permitem compreender que entre agentes sociais desiguais o trabalho de representação do Dia da Mulher pode dissimular um trabalho de representação da Mulher (a)Dia.
Maputo, Abril de 1997
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