Vivam Plenamente Os Seus Direitos 10 De Dezembro - Dia Internacional Dos Direitos Humanos Das Mulheres por Isabel Maria Casimiro
A propósito do debate na generalidade sobre a proposta de revisão da Lei do Trabalho fiz uma intervenção, na VII Sessão ordinária da Assembleia da República, realizada de fins de Outubro a meados de Dezembro de 1997. Porque tratei de assuntos relacionados com a evolução dos direitos sociais dos cidadãos e, em especial das cidadãs, julguei oportuno divulgá-la nesta edição do NotMoc, por ocasião do 7 de Abril, dia da Mulher Moçambicana, e no ano em que se comemoram 50 anos da assinatura da Carta das Nações Unidas. Desde 10 de Dezembro de 1997 e até 1998, mulheres de todo o mundo realizam diversos tipos de actividades, no sentido de recordar que os Direitos Humanos deverão contemplar os Direitos Humanos das Mulheres. Partilhar com mulheres e homens do mundo inteiro os nossos problemas, desejos e propostas de uma sociedade de solidariedade entre todos, diminui o nosso isolamento e dá-nos força para prosseguir as nossas utopias.
«... Não é fácil um pronunciamento sobre tão importante proposta que diz respeito à vida e ao sustento de centenas de milhares de trabalhadores e de suas famílias no nosso país, e que visa estabelecer normas de funcionamento e de relacionamento entre seres humanos, sobretudo entre empregadores e empregados.
A proposta de revisão da Lei do Trabalho enquadra-se nas preocupações expressas no Plano do Governo no sentido de:
Esta proposta de revisão da Lei do Trabalho é tanto mais importante quanto vivemos num mundo em profundas transformações e de globalização do sistema capitalista, sobretudo a partir dos anos 70. Importa salientar que esta globalização, com todas as inovações que trouxe ao nível dos processos de trabalho, das tecnologias de comunicação e informação e das condições que tem criado para reduzir a dureza do trabalho, com a invenção de máquinas, robots, etc., também tem incentivado a proletarização e a crescente desigualdade à escala mundial, o aumento da migração internacional - com todas as consequências de xenofobia e de etnicização do trabalho - a feminização da força laboral, a formação e recomposição das classes sociais a nível nacional e internacional e a crescente importância das redes globais.
O processo de globalização e de reajustamento estrutural que o mundo viu acelerar-se a partir da década de 70, é bastante contraditório - os mesmos processos que podem minar a vida dos trabalhadores nos países considerados mais desenvolvidos, podem estar favorecendo o ingresso de trabalhadores no mercado formal capitalista moderno nos países em desenvolvimento. Por outro lado, sabemos por experiência que a industrialização não produz desenvolvimento humano, o qual depende fundamentalmente do modo como a riqueza é distribuída entre os cidadãos.
Acompanhamos através dos meios de comunicação social como grande parte dos países considerados mais desenvolvidos vêm discutindo as suas políticas laborais e de Segurança Social, resultantes dum contrato social que se estabeleceu entre o capital e o trabalho. Este contrato social, surgido a partir do séc. XVIII permitiu a construção duma ordem social pacífica e progressiva entre cidadãos considerados livres e iguais. Do consenso estabelecido entre o capital e o trabalho nasceram, nos países centrais do sistema-mundial, os direitos cívicos e políticos, e mais tarde os direitos do trabalho, da segurança social, da saúde e da educação públicas, dando origem àquilo a que se convencionou chamar de Estado-Providência. Mas o contrato social encerra em si mecanismos de inclusão e exclusão, por força dos quais acabam por ficar fora algumas categorias populacionais, tais como as mulheres, os emigrantes e as minorias étnicas, bem como a própria natureza. Só a pouco e pouco e no contexto de lutas a nível mundial, estas categorias têm sido integradas, mas nunca completamente nem irreversivelmente. E hoje não é difícil verificar quem está fora do contrato social - os jovens à procura dum primeiro emprego e sem esperança de o conseguirem, os trabalhadores de 40 ou 50 anos que são despedidos de um emprego seguro, para nunca mais obterem outro do mesmo nível, os emigrantes, os idosos, as mães chefes de família, etc., etc..
O antigo contrato social está em crise e não é previsível o resultado dos debates, num ambiente de crise dos Estados nacionais e em que se proclama o Estado mínimo e a primazia do mercado.
É precisamente a propósito de um dos grupos que mais tem sido excluído na sociedade - as mulheres - que eu gostaria de tecer algumas considerações.
Estima-se que no ano 2000 haverá 900 milhões de mulheres trabalhadoras no mundo. Ou seja, as mulheres constituirão metade de todos os trabalhadores.
Em que condições têm vivido até agora as mulheres, de acordo com os dados das Nações Unidas e da Comissão Económica para África?
A NÍVEL MUNDIAL
À partida as mulheres estão numa situação de extrema desvantagem. E se é verdade que a proposta de revisão da Lei do Trabalho, agora em debate, procura enfrentar estas discriminações, os comandos legais propostos só serão eficazes caso funcionem as inspecções e os regulamentos também propostos.
É que não podemos perder de vista o facto de Moçambique ter aproximadamente algumas centenas de milhares de trabalhadores com emprego formal, dos quais a maioria não são mulheres, como é sabido. As mulheres são na sua maioria camponesas e há já um crescente número envolvido no trabalho informal. Apesar de haver hoje mais mulheres nas áreas administrativas, de venda e de serviços - Banca, Seguros, Finanças - continua a verificar-se a segregação ocupacional por sexo - concentração laboral das mulheres num número reduzido de ocupações, definidas culturalmente como tipicamente femininas (segregação horizontal) e a concentração das mulheres nos níveis de menor hierarquia de cada ocupação, o que significa postos de trabalho pior remunerados, mais instáveis e alvo de grande discriminação e ofensas (segregação vertical).
O crescimento do sector não estruturado da economia, ou seja do sector informal, constitui a principal variável de ajuste do mercado laboral nos países do 3º Mundo. O aumento do desemprego e de trabalho informal tem sido acompanhado de fortes descidas dos ingressos laborais e de uma rápida precariedade do emprego; aumentou o trabalho temporário e de tempo parcial e ao mesmo tempo baixou a qualidade do mesmo. As políticas de ajustamento estrutural da economia, impostas pelo FMI e BM, têm conduzido a um aumento do emprego não assalariado - aumento de ocupações com altas componentes femininas - que se podem definir como precárias em termos da sua descontinuidade no tempo, da falta de regulação laboral (ausência de contratos); de problemas com os salários (não se respeitam os salários mínimos); de horários, da falta de segurança social e de higiene.
Temos mulheres a realizarem, por questões de pobreza e de sobrevivência familiar, uma multiplicidade de tarefas, as quais constituem um alargamento do trabalho doméstico, em condições que a proposta em discussão não pode cobrir. Entretanto e, ainda de acordo com as Nações Unidas, se se contabilizasse o trabalho doméstico nas estatísticas, chegaríamos à conclusão que o mesmo contribui com 40% do Produto Nacional Bruto.
Outro assunto que vem merecendo desde há muito preocupação por parte de diversas organizações de mulheres e comunitárias é o das trabalhadoras domésticas que realizam aquilo que alguns sociólogos chamam de emprego de chegada, fora do circuito onde se encontram as oportunidades de trabalho, e em que é inexistente a progressão na "carreira profissional", estando a melhoria das condições sócio-laborais dependente de uma eventual mudança de entidade patronal.
No que respeita à licença de parto sou, como mulher e mãe, favorável ao seu prolongamento para 90 dias, pelas razões que vêm sendo apresentadas. Reconheço que na actual situação e, com base nas experiências de vários países, as maiores prejudicadas poderemos ser nós, mulheres, devido às novas condições de flexibilidade e precariedade do trabalho, em nome da eficiência, rentabilidade e produtividade, impostas pelas políticas neo-liberais. Países há onde se exige das mulheres que se candidatam a um emprego, um certificado de infertilidade. Noutros, estabelece-se um controle rigoroso e mensal sobre os períodos menstruais das mulheres, para garantir a ausência de nova gravidez. Muito embora estas práticas sejam, no geral, proibidas, o certo é que os patrões prevaricadores se aproveitam das dificuldades de controle e de inspecção para as escamotear.
No nosso caso, creio que tudo deverá ser feito para facilitar a eficácia dos mecanismos de fiscalização, contando com a cooperação e o apoio dos sindicatos e das organizações sociais.
Uma proposta que vem sendo discutida ao nível da sociedade civil é a de se criar um dispositivo legal que permita tanto às mães como aos pais, dividir ou não, como bem entenderem, os 90 dias de licença de parto, levando ambos a partilharem, de acordo com as suas possibilidades e decisão a função social de manutenção, educação e cuidados de saúde dos filhos, sem prejuízo da sua realização profissional».
Isabel Maria Casimiro
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