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7 de Abril 1999

LEI E PRECONCEITO: OS AGENTES DA JUSTIÇA CONTRA AS MULHERES
por Eulália Temba

Não basta ter uma lei moderna que consagre a igualdade de homens e mulheres quando, na prática da administração da justiça, a lei é interpretada e aplicada pelos agentes de justiça de forma machista e prejudicial para a mulher. Um pouco por todo o lado neste país se cometem graves atropelos à lei, sobretudo quando se trata de decidir sobre casos de mulheres que se dirigem ao tribunal à procura de justiça.

É um mecanismo complexo para o cidadão intentar uma acção no tribunal, a burocracia, os jogos de influência, os custos, são factos que influenciam a fraca recorrência às instâncias de justiça por parte da maioria da população. O acesso da mulher à justiça é mais complicado sobretudo quando esta se dirige ao tribunal à procura de justiça e lá depara com decisões e sentenças que são actos flagrantes de violência.

O relato que se segue é um exemplo típico do que acima foi referido. Ocorreu a meados de 1997 na cidade de Tete e foi constatado no ano passado durante o actual estudo sobre "Mulher e Administração da Justiça" (CEA da UEM).

Antónia, mãe solteira de 20 anos de idade, fora visitar um familiar internado no hospital. De regresso a casa, encontra-se com dois jovens que manifestaram preocupação pelo facto dela estar sozinha àquelas horas da noite. Ela justificou-se dizendo que não tinha outra alternativa senão regressar a casa, pois tinha que dar de mamar ao bebé. Um dos jovens, num aparente gesto de boa vontade, ofereceu-se para acompanhá-la. O outro continuou no lugar onde estava a beber.

Passado alguns minutos, ouviram-se gritos de uma mulher a pedir socorro. Sem perder tempo, o outro jovem correu em direcção ao local de onde vinham os gritos e deparou com o amigo que agredia a Antónia. Esta estava com a capulana rasgada e com as sapatilhas estragadas. Ao aperceber-se de que estava a ser socorrida, correu desesperadamente para casa.

Em casa ela conta a triste história e, aconselhada pela família, deslocou-se no dia seguinte à esquadra da polícia para meter a queixa. No processo do interrogatório e depois de ouvida a testemunha, neste caso o amigo do réu, a polícia decidiu prender o acusado, pois confirmou-se que houve intenção de violar a mulher, embora o crime se tenha frustado devido à pronta intervenção do outro indivíduo. O caso foi remetido ao tribunal provincial.

Nesta instância, depois de reunidas todas as provas marcou-se a data do julgamento. Passo a transcrever na íntegra o texto da sentença: "[Vejam] só a idade da queixosa e a idade do réu. Verificou-se que não era verdade que ele com 16 anos podia conseguir agredir uma menina de 20 anos. Mas também esta hora de 2 horas da madrugada, onde ia ela? Pelo exposto o Tribunal Provincial decide absolver o réu".

Várias leituras se podem fazer desta sentença. Na minha opinião pessoal esta sentença mostra a maneira como a mulher é representada pelo modelo cultural dominante, e como esse modelo é reproduzido pelos agentes da justiça, que neste caso legitimaram a violência contra a mulher. Em outras palavras, esta mulher passou de vítima a ré, tendo sido culpabilizada, por quem julgou o caso, por andar fora de casa às 2 horas da madrugada e porque devido à diferença de idades era impossível que o réu violasse a queixosa.

Será que chegamos ao extremo neste país de Estado de Direito de limitar o período em que uma mulher deve ou não circular? Uma sentença deste tipo é uma autêntica violação dos direitos humanos das mulheres. Depois de Antónia ter sido ofendida (e estando segura de que o prevaricador da lei seria punido), sujeita a inúmeros interrogatórios, será que continuará a pensar em recorrer ao tribunal à procura de justiça?

Com esta sentença quem saiu a ganhar é o violador. Ele foi autorizado a violar as mulheres que circulem a "más" horas da noite. Eis aqui um terreno de caça permitido, disse o senhor juiz! Quem afinal pensam as mulheres que são, a andar assim pela cidade, sem dono e sem açaimo?

Sentenças como esta mostram como o tribunal infelizmente ainda é uma instituição patriarcalizada, onde a lei beneficia os mais poderosos, os homens. Casos deste tipo constituem uma violação dos direitos humanos das mulheres. É preciso que não nos calemos e que denunciemos por todos os meios estas injustiças. É preciso exigir contas a quem de direito: há uma justiça para as mulheres e outra para os homens?

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