Moçambique on-line

Savana de 9 de Augosto de 2002


Siba Siba: convite à lembrança

Há coisas irremediáveis, há mágoas pelo que poderia ter sido e não foi. E perante isto só nos resta arriscar um pacto contra a amnésia, pela absoluta necessidade de recordar.

Vai fazer um ano que Siba Siba morreu. Morreu de morte matada porque era jovem e competente e acreditava que era possível repor a justiça, endireitar o mundo. Morreu, pois, de juventude. Tinha só 34 anos, se lhe houvessem dado oportunidade de envelhecer se calhar ganharia um certo cinismo que o protegeria contra esse tipo de morte. Morreu também porque era um leal funcionário do Estado e como tal lutou pelos seus interesses. Se tivesse sido corrupto, se se tivesse aliado a quem andava a roubar estaria vivo, porque afinal de contas foi também a lealdade que o matou. Matou-o igualmente essa força que os jovens têm para acreditar sempre que é possível sermos melhores e vivermos com mais dignidade.

Juventude, lealdade, crença na justiça, tudo isto se conjugou para matar Siba Siba. Fico triste. Triste porque o espectáculo da juventude que morre é das coisas mais difíceis de aceitar. Como poderia ser de outro modo? Siba Siba esperava ainda muito da vida, tinha afectos e paixões, tinha projectos e ambições. Na prática, começava apenas a ensaiar os primeiros passos.

E quando penso neste caso não resolvido, neste morto traído, temo que perante as constantes demonstrações de força um dia desapareçam de vez os jovens, os cidadãos leais e os que crêm na justiça. Que um dia alguém tire uma lei para pôr por escrito e oficialmente o que todos já suspeitam: a juventude fica proibida de acreditar na mudança e de cultivar sentimentos de lealdade em relação a qualquer pessoa, instituição ou causa; parágrafo único: a desobediência é punível com a pena de morte.

Por esse motivo cultivo a raiva que senti na hora. Quero continuar, até que justiça seja feita, a acarinhar e a preservar este sentimento de não aceitação. A cada sugestão de distanciamento faço deliberadamente por me recordar dele, eu, que nem o conheci. Mas lembro-me das razões porque morreu e isso chega-me para reavivar o mesmo sentimento de inconformismo, nestes tempos em que talvez o mais prudente fosse a indiferença. Mascarada de distanciamento intelectual ou justificada como necessária para poder passar adiante, para pensar no futuro do país, mas indiferença simplesmente.

É por isso que temos o dever de não esquecer. Que se fale, que se sussurre se a isso nos obrigarem, que se pintem paredes e que se passem bilhetinhos. A obstinação em lembrar Siba Siba é afinal também uma luta pela nossa condição humana. Ética e honra. Orgulho e solidariedade.

Maria José Arthur

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Savana - 2002


Moçambique on-line - 2002

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