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n° 76 7 de Abril 1996 Maputo

 
Edição especial dedicada ao tema da mulher moçambicana:

  1. O 7 DE ABRIL NA IMPRENSA
  2. O DIA 7 DE ABRIL E AS FLORES DA HIPOCRISIA
  3. SENHORES DO SEU NARIZ: AMOR, PODER E VIOLÊNCIA
  4. O ABORTO E O DIREITO DE CONTROLAR O PRÓPRIO CORPO
  5. GÉNERO E RIQUEZA NO MOÇAMBIQUE RURAL


 2.  O DIA 7 DE ABRIL E AS FLORES DA HIPOCRISIA
     por Maria José Ribeiro Arthur

Todos os anos, a 7 de Abril, tomamos conhecimento que em tal ou tal lugar de trabalho o chefe juntou as trabalhadoras do sexo feminino e que, após um discurso sobre a importância da mulher para o desenvolvimento nacional, ofereceu a cada uma uma flor ou um ramo de flores. O que ninguém conta, pelo menos em voz alta, é que durante o resto do ano muitos chefes discriminam profissionalmente as mulheres, atribuem-lhes tarefas de menos responsabilidade e pouco prestigiantes ou ainda as assediam sexualmente.

Este exemplo pode ser reproduzido tanto ao nível do Estado como no âmbito doméstico, quando a 7 de Abril o marido oferece flores à mulher que explora e bate no seu quotidiano.

A constatação deste facto pode levar-nos a formular inúmeras questões, entre as quais: por que se festeja o dia 7 de Abril? Quem tira dividendos deste aparato festivo proclamadamente em prol da mulher? Para além dos presentes e das flores, quais as aquisições concretas para a mulher? E, finalmente, por que é que se oferecem flores à mulher? (estamos evidentemente a falar de uma cultura urbana ou sob a esfera de influência do Estado, promotor de uma cultura nacional e "moderna").

Na impossibilidade de tratar de tudo, gostaríamos de nos concentrar na última questão, i.e., tentar entender em que linguagem nos falam as flores.

O que se diz das flores e o que nos dizem elas? Quando se interrogam alguns indivíduos acerca dos motivos por que é que é mais apropriado oferecer flores a uma mulher do que a um homem e, mais particularmente, por que é que as flores são "o" presente feminino por excelência, percebe-se de que nesse acto existe uma forte carga simbólica. Quer dizer, as flores falam por si próprias.

Peguemos somente em três dos argumentos mais correntes:

  • "As mulheres são belas como as flores"
  • "As flores servem para embelezar o lar e falam de harmonia"
  • "As mulheres são frágeis como as flores"

De cada uma destas afirmações podemos entender o seguinte:

1. A beleza da mulher assim evocada não é simplesmente a beleza física (em certos sentidos socialmente perigosa), mas é sobretudo uma exaltação da mulher como mãe, esposa e irmã e a sua dedicação ao bem-estar dos parentes. I.e., esta mensagem não é endereçada à própria mulher, mas à "mulher de alguém". Não representa um incentivo para que ela se dignifique como ser humano, mas que continue a dedicar-se aos outros.

2. A segunda afirmação articula directamente a mulher à esfera doméstica, o lar, um dos principais espaços onde se produz e reproduz a desigualdade nas relações homem/mulher.

3. Finalmente, a declaração da fragilidade da mulher é relacional, ou seja, a mulher é frágil relativamente ao homem. Na realidade, estamos perante um dos argumentos-chave que sustenta a subordinação da mulher: esta precisa de ser protegida e a protecção significa quase sempre controlo.

Concluindo, diremos que as flores que se oferecem à mulher transportam consigo uma mensagem de passividade e de aceitação da situação actual de desigualdade.

Gostariamos que o 7 de Abril servisse como momento de reflexão sobre o muito que falta fazer para construir uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres e sobre as vias mais adequadas para provocar a mudança. As flores deveremos oferecer-nos a nós próprias se e quando comemorarmos a libertação.
 


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