NotMoc - Notícias de Moçambique
n° 76 | 7 de Abril 1996 | Maputo |
5. GÉNERO E RIQUEZA NO MOÇAMBIQUE RURAL por Wenke Adam Muitas das práticas da sociedade rural moçambicana foram sistematicamente condenadas no discurso político do pós-independência e muitas vezes menosprezadas no âmbito da investigação académica. O lobolo e a poligamia foram dois alvos especialmente atacados durante muitos anos como manifestações retrógradas ou obscurantistas que atentavam contra a emancipação da mulher, sem se atender às razões profundas do papel que jogam na lógica sócio-económica dos camponeses.
Dois estudos recentes ilustram a complexidade do fenómeno: No Estudo Participativo sobre a Pobreza em Moçambique, realizado recentemente nas 10 províncias do país pelo Centro de Estudos da População, UEM, dirigido por Yussuf Adam, os dados recolhidos mostram que: 1. O número de mulheres com quem um homem está casado definem o seu estatuto como rico ou pobre. Uma casa onde existem um homem e seis mulheres mas nenhuma delas é sua esposa, é uma casa pobre. [Inversamente, considera-se rica uma mulher casada com homem rico]. 2. Um homem ou uma mulher só, por viuvez, divórcio ou por não se terem casado, são considerados pobres. O conceito de pobreza não é unicamente aplicado a um indivíduo, mas sim a uma família. Uma pessoa só é sempre pobre, mesmo que tenha outros indicadores de riqueza material (meios de produção, animais, terra, dinheiro, tractor, carro). Se não é casado não é rico. Um indivíduo cuja linhagem foi toda morta numa guerra é considerado pobre. 3. Homens e mulheres têm um conceito de pobreza/riqueza diferente: os homens consideram como índices o número de mulheres, a força física, os meios de produção, o tipo de bens, a quantidade de dinheiro. As mulheres tendem a avaliar a pobreza/riqueza considerando os bens, o dinheiro e o número de empregados. 4. As prioridades de desenvolvimento vistas pelos homens ou pelas mulheres são diferentes variando também de distrito para distrito e de aldeia para aldeia. As mulheres tendem a valorizar a segurança alimentar, a roupa e a saúde. Os homens os meios de produção, o comércio e o transporte. [fim da citação] Se consideramos que o lobolo é o acto simbólico que formaliza o casamento, e que através desse casamento quer a mulher quer o homem tem acesso e garantia de uma extensa rede de segurança social, não é de estranhar que essa prática seja defendida com força pelas mulheres camponesas apesar de constituir, também, um sistema opressivo em muitos sentidos. Temos que reconhecer que ainda não surgiu uma alternativa viável ao lobolo: na chamada sociedade moderna - quando funciona - a segurança social é fornecida por uma rede de instituições estatais e privadas de acesso universal: a caixa de previdência, o subsídio de desemprego, o seguro de vida, a creche, o lar de anciãos... Os subsídios de Maastricht compensam os camponeses europeus contra os efeitos das cheias, das secas e do sacrifício das vacas loucas. Mas ai de quem nesses países não possui um número de registo pessoal e os impostos em dia! Ai de quem não cumpra rigorosamente os rituais exigidos no preenchimento dos impressos!
No Moçambique rural, a rede das famílias interligadas pelo casamento cumpre, bem ou mal, todas essas funções sociais básicas. O sistema irá mudar na medida em que mudem as condições de vida e se abram novas perspectivas consideradas mais desejáveis. Ou como disse a Miss Moçambique: "o que contribuiu para mudar... foi o próprio ritmo da vida em si".
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